Pós-eleição: o perigo oculto nos discursos de conciliação de classes

No vidro traseiro do velho Fiat Uno, estacionado em frente ao Cemitério Municipal, ainda permanecia um adesivo do candidato vitorioso à presidência da república nas eleições de 2018; embora já estivesse desgastado, rasgado e amarelado o mesmo simbolizava o orgulho da vitória de um indivíduo que, aparentemente, estava em comunhão virtual com mais de cinquenta milhões de pessoas em todo o Brasil. Ao lado do carro simples, uma Ranger Rover pousava e chamava a atenção de todos com um cartaz, do mesmo presidente eleito, espraiado por toda a extensão do vidro traseiro. Para quem gosta de brincar com raciocínios, logo faria o cálculo da diferença de preço entre aqueles dois veículos que certamente é absurda. Entretanto, apesar da notória disparidade entre duas classes sociais, os dois proprietários estavam juntos no mesmo estacionamento, no mesmo cemitério, na mesma cidade e com as mesmas preferências políticas. A cena, apesar de envolver dois sujeitos de quem não se tem informações precisas sobre a vida de cada um, poderia facilmente ser compreendida como símbolo do exercício da chamada conciliação de classes, onde inimigos convivem pacificamente, bebem na mesma fonte e comem no mesmo prato. Uma cena concreta de tal harmonia é normalmente vista em campanhas eleitorais, quando o deputado que votou no congresso contra os direitos trabalhistas, consegue o voto do trabalhador. O que é isso senão a convivência entre lobo e cordeiro?

Logo após as eleições uma série de discursos foram articulados visando manter uma convivência harmônica entre opositores: “agora só resta torcer para que tudo dê certo no novo governo”; “Bolsonaro agora é presidente de todos”; “aceita a derrota que dói menos”. Ora, essas afirmações não são feitas aleatoriamente, mas possuem objetivos bem definidos, ou seja, visam manter a sociedade como está; apesar das contradições, das desigualdades em geral e dos preconceitos, é estrategicamente viável à classe exploradora dos pobres empreender esse tipo de narrativa. Nesse contexto, recomendar alguém apenas a torcer é o mesmo que pedir para ficar calado diante das atitudes do governo; dizer que o governo é de todos é o mesmo que pedir para as pessoas não analisarem os interesses espúrios presentes nos processos governamentais; mandar aceitar a derrota é querer impor a covardia, a passividade, a escravidão, como se historicamente as conquistas populares não tivessem vindo da luta e da organização dos indivíduos. Os governos não são papais-noéis feitos para oferecer presentes à população, mas são compostos de peças falháveis e geralmente mal intencionadas que, muitas vezes, existem para favorecer a interesses próprios e de pequenos grupos. Portanto, após um processo eleitoral não há nenhum benefício em pedir que as pessoas fiquem apenas torcendo ou aceitando a derrota. O melhor é estimulá-las a analisarem as ações do governo, a criticarem e, sobretudo, a lutarem contra as medidas contrárias aos interesses públicos, isto é, contra aquelas ações governamentais que visem calar a democracia ou enterrar os direitos historicamente garantidos em instrumentos legais.

É fundamental ficarmos atentos a essa tática política da conciliação de classes a qual foi também alimentada nos governos petistas, e que traz um grande malefício social, visto que prioriza discursos bonitos manipuladores a fim de esconder a Verdade; assim como também se utiliza de ações paliativas para acalmar os ânimos da população. Em suma, a chamada política de conciliação, apesar de aparentemente gerar a governabilidade, é perigo oculto que subjaz a política brasileira.

CARLOS REIS SOUSA
Enviado por CARLOS REIS SOUSA em 04/11/2018
Reeditado em 04/11/2018
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