O LOURO DIRCEU
Senhora da alta sociedade, Dona Eulália é mulher de bons costumes e fino trato. E como toda pessoa chique, gosta de se vestir com grande cuidado e requinte. E é tanto requinte que, vez por outra, ela aparece nas colunas sociais de algum jornal, sempre muito elogiada por tanto charme e elegância.
Nas horas vagas gosta de ler e de pintar. Mas, se encontra prazer nas artes, também gosta de criar animais — coisa que nem toda grã-fina faz.
No quintal da casa mandou fazer um grande cercado, e lá ela cria galinhas, patos e perus. Além desses animais, cria também um cachorro e um papagaio. No papagaio, Dona Eulália pôs o nome de Dirceu. E aconteceu do bicho gostar do nome que recebeu. Gostou tanto que até se zanga quando alguém o chama de 'meu louro'. Com ele o tratamento é diferente — favor chamá-lo só pelo nome.
Esperto e muito sabido, Dirceu já aprendeu até algumas palavras do idioma inglês. Tudo por obra e capricho de Dona Eulália. Por causa disso, talvez, não aceita ser tratado como um qualquer. Afinal, um papagaio inteligente, que sabe falar duas línguas, merece a consideração e o respeito de todos.
Sempre que posso, visito dona Eulália. Só que, às vezes, cheio de compromissos, mal dá tempo de conversar um pouco mais com ela. Ainda assim, ao visitá-la, faço questão de ver o louro Dirceu. E ali está ele, no alpendre da casa. Tão logo me vê, desce do poleiro e vem ao meu encontro. Ao chegar mais perto, abre e fecha as asas, tal é a sua alegria. Depois, sobe no meu braço e bica de leve o meu dedo, de forma brincalhona e arteira. É quando eu aliso a cabeça dele e digo a frase que ele mais gosta de ouvir:
— I like you.
Ao colocá-lo de volta no poleiro, ouço ele pronunciar por duas vezes a mesma coisa que falei pra ele:
— I like you. I like you.
É claro que ele nem sabe o que está falando. Mas gostar de mim, ele gosta sim. Já da vizinha de dona Eulália, ele não gosta. tem verdadeiro pavor e ojeriza. Também pudera.
Logo de manhã, a criatura abre o portão dos fundos da casa e vai entrando, quintal adentro, sem pedir licença ou permissão. Chata e mal educada, ela não dá sossego pra ninguém, nem mesmo para o coitado do papagaio. Então ela vem de lá, sempre muita enjoada e com a mesma prosa ruim:
— Louro, louro. Dá aqui o pé, meu louro.
O papagaio agita-se no poleiro, completamente enfezado. Depois, eriça as penas do corpo inteiro e protesta de mau jeito, cheio de azedume:
— My name is Dirceu! My name is Dirceu!