Chega de Saudade: 60 anos

     1. Um belo dia, ou para ser mais preciso, uma bela noite, ainda estudante, colegas da Faculdade de Direito foram à minha república, por volta das 22 horas, e, numa descomunal algazarra, convidaram-me para uma serenata na Lagoa do Abaeté. Aceitei o convite. Julho de 1958.
     2. Por que recusá-lo? Vinha de Fortaleza onde fizera arriscadas serestas na janela de uma linda mulher que, naquele momento, tinha em suas mãos o coração de um jovem, 20 e poucos anos, árdego e sonhador...
     3. Além do mais, morando em Salvador há pouco menos de seis meses, seria o meu primeiro encontro com a misteriosa lagoa, consagrada por Dorival Caymmi em uma de suas mais bonitas canções, cantando a Bahia, seu berço.
     4. Fiquei deslumbrado: "Uma lagoa escura/ arrodeada de areia branca". Exatamente como Caymmi a descrevera, nos seus versos musicados.      
     5. Abro um parêntese para dizer que, nos dias que correm, o Abaeté não é mais aquele de julho de 1958. As autoridades esqueceram-no. Está abandonado. Deixou de ser um ponto turístico da capital baiana. Qui pena! Fecho o parêntese.
     6. Doze "seresteiro" - mais mulheres do que homens - ; três violões afinadíssimos e dolentes; dois litros de Red Label; amendoim, castanha, e acarajés com recheio - vatapá e camarão - eram os tira-gostos trazidos pelas colegas, e estava arrumada a patuscada.
     7. De repente uma das meninas elevou a voz e perguntou: "Vocês já ouviram o mais novo sucesso do nosso conterrâneo João Gilberto? Ele acabou de lançá-lo". Um dos violonistas disse que ouvira numa rádio do Rio. 
     8. Da colega que fizera a pergunta, exigiu-se que ela cantasse a nova música do João. Ela não se fez de rogada: abriu o biquinho de curió apaixonado, e disse: "De Antônio Carlos Jobim , "Chega de Saudade".
     9. E prosseguiu: "Vai minha tristeza/ E diz a ela que sem ela não pode ser/ Diz-lhe numa prece/ Que ela regresse/ Porque eu não posso mais sofrer. = Chega de saudade/ A realidade é que sem ela não há paz/ Não há beleza/ É só tristeza e a melancolia/ Que não sai de mim, não sai de mim, não sai". E cantou a música toda, acompanhada por nossos aplausos.
     10.  Por que me deu na telha relembrar esta "linda página musical", com diziam os antigos locutores de rádio? Li, nas principais gazetas do país, farta matéria sobre os 6o anos do lançamento de "Chega de Saudade", no dia 8 de julho de 2018.
     11. Não podia deixar passar in albis  o aniversário de uma das mais perfeitas e qeridascanções da Música Popular Brasileira; um clássico.
     E também para deixar bem claro que hoje já não se faz música como antigamente. Os bons músicos, os letristas inspirados desapareceram. Vez em quando, aparece uma música de algum valor. Raríssimo!     
     12. Escrevendo sobre "Chega de Saudade", não há como não falar sobre o atual momento de João Gilberto. O cantor enfrenta sérias dificuldades finanaceiras. Conta, segundo os jornais, com a ajuda de amigos, como Caetano Veloso. Que João Gilberto tenha uma velhice tranquila. 
     13. Por último, diria que, a rigor, "Chega de Saudade" não pode ser chamada de música de seresta, como, por exemplo, "Chão de estrelas", "Suburbana", "Lábios que beijei" e muitas outras, de igual compasso, interpretadas porOrlando Silva, Sílvio Caldas, Galhardo, Nelson Gonçalves e Augusto Calheiros.
     14. Mas é certo que a canção do Tom, pela sua doçura, mexe com os corações. Talvez por isso, há 60 anos atrás, minha colega tenha cantado "Chega de Saudade" naquela inesquecível seresta, nas areias brancas da lagoa escura do Abaeté. 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 11/07/2018
Reeditado em 23/11/2018
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