ESCREVER É PERIGOSO

Tropeçamos "no tal português" (a língua portuguesa, não o europeu) e é tombo o tempo todo.

Porque corre tantos perigos? Não seria melhor ficar quieta, parar de assassinar a língua?

Mas e esse instigar que não passa?

Olha pro mundo como uma deliciosa bola de algodão que engorda o pensar.

Ama a opção editar, todo dia a consertar erros e renovar a esperança.

Gostaria de ler a notícia: foi assinada a “lei áurea do português”. Concordância só dos políticos em relação ao cumprimento dos direitos do povo. E todos na rua comemorando. Viva!

Seria tão melhor se não tivéssemos que nos preocupar com elas, as regrinhas ortográficas... E as gramaticais! Quem um dia se beneficiou das orações subordinadas? Que poeta famoso fez rimas com elas? Quem? Luiz Vaz de Camões, quer ver? Entre o segundo e o décimo primeiro verso, cada verso representa uma oração coordenada assindética interna:

"Amor é fogo que arde sem se ver,

é ferida que dói, e não se sente;

é um contentamento descontente,

é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;

é um andar solitário entre a gente;

é nunca contentar-se de contente;

é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;

é servir a quem vence, o vencedor;

é ter com quem nos mata, lealdade.

(...)" Luiz Vaz de Camões

Estaríamos livres, segundo a lei: de ter que lembrar da letra minúscula após dois pontos. A não ser em exceções! Vírgulas? Seriam vetadas.

Ah! As exceções! Elas simplesmente tiram-lhe o sono. Acorda no meio da madrugada pra corrigir um erro. Salta pra sala do computador e já começa outro erro, ops, outro texto.

O Sol nasce e abre os braços para os fortes. Tenta se esquivar, mas a cabeça não deixa.

Ele liga. Pede só um minutinho pra acabar a crônica e escuta o click do telefone desligando.

Não é que não goste dele, mas não pode ligar na hora do final da publicação, entende?

Não, ele não entende. Acha loucura escrever sem ganhar dinheiro.

Não existe metáfora que aguente ouvir: “ e esse tal de livro que não fica pronto? E esse blog que não dá dinheiro? E essa sua cabeça que só pensa em livros?”

Amor, nem tudo é dinheiro e pra me tirar da escrita, só um bom sexo... Entendeu ou quer que eu desenhe?

A bateria do desejo entra em modo off. O ponto final é o botão del da relação.

Em meio ao caos, o Ministério da Saúde adverte: tem mais uma chaleira queimando no fogão.

Sim, escrever é perigoso.

* Publicado em www.oficinadoverso.com