TURISMO INSOSSO

Certo viageiro, apaixonado pela beleza e harmonia das artes, efetuou repetitivo périplo turístico mundo afora. Visitou renomados museus, espalhados por quatro continentes, andou por vias urbanas milenares, contemplou monumentos representativos da história antiga e contemporânea, e, finalmente, compartilhou com amigos o cabedal de conhecimento adquirido em terras de além-mar.

Depois de peregrinar por cidades onde se encontram instalados os mais notáveis templos da cultura universal, o intrépido viajante dispôs-se a conhecer Brasília.

José, este o nome do nosso personagem, conhecia a capital brasileira apenas pelo noticiário da mídia impressa e televisiva, que a distinguia pela arquitetura arrojada, edificada em generosos espaços físicos, atapetados do verde da relva viçosa, no período chuvoso.

Constava de suas informações que Brasília era herdeira das obras arquitetônicas de Oscar Niemeyer, brasileiro que a projetou no cenário urbanístico internacional. Outras notícias davam-lhe conta de que nossa capital é um celeiro de bandidos instalados nos três poderes da República, um sem-número de marginais travestidos de autoridades públicas.

Embora ciente de que a capital brasileira não possuía grandes atrativos culturais e artísticos, resolveu, mesmo assim, conhecer sua relativa insignificância nas diversas áreas do conhecimento humano. Não havia como compará-la, nesse particular, às cidades visitadas em suas jornadas turísticas.

“Por ser Brasília portadora de história recente, seria justo perdoá-la por exibir tão raquítico currículo cultural?” – perguntou-se, sem, contudo, ter a resposta adequada.

Entre decepcionado e decidido, José chegou ao lugar escolhido por Luiz Inácio para comandar o Mensalão e, depois, em maior escala, o Petrolão.

No primeiro dia de visitas, conheceu a Catedral, moderna, revestida de vitrais coloridos, parte dos quais deteriorados pela ação implacável do tempo; esteve no Complexo Cultural da República, erigido em concreto pintado de branco, em forma de concha virada para baixo, escondendo a luz solar, em cujas dependências constatou pouquíssimas obras para consulta de estudantes e intelectuais; percorreu a Esplanada dos Ministérios, palco de negociatas de ministros desonestos e despreparados para a função; andou pelas dependências externas e internas do Congresso Nacional, lugar de atuação de excelências carentes do nobre sentimento de brasilidade; vagueou pelas imediações dos palácios do Planalto, Alvorada, Itamaraty, Jaburu e Justiça; e contemplou a distância o Panteão da Pátria e a Torre de TV Digital.

Nas imediações do Teatro Nacional, desejou visitá-lo, mas abortou a ideia em face de o prédio encontrar-se interditado há alguns anos para reforma das instalações, deterioradas por falta de manutenção. Ao vê-lo, lembrou-se de ter assistido pela televisão a um show de Roberto Carlos, realizado naquele espaço cultural, em que pela enésima vez o “rei” repetia a expressão: “São muitas as emoções!”.

Em manhã de sol forte e de baixa umidade do ar, próxima à registrada no deserto do Saara, José foi conhecer o Memorial JK, onde visitou o mausoléu do ex-presidente Juscelino Kubitschek, ambiente envolto em penumbra, agravada pelo revestimento de granito preto da urna funerária. José não fez nenhuma prece pela absolvição da alma de Juscelino, argumentando, introspectivamente, que se o saudoso presidente não pedira a Deus perdão por seus pecados, naquela ocasião não surtiria efeito junto ao Criador.

A visita ao memorial foi rápida, limitada a visualizar pertences deixados por JK, entre eles, 3.000 livros de sua biblioteca particular, móveis, canetas, fotos, roupas usadas no exercício da Presidência da República, medalhas condecorativas e trechos de alguns de seus empolgantes discursos.

Nos últimos dias de visita a Brasília, José conheceu os museus da capital, certificando-se da fraca impressão que imaginara desses lugares. Esteve no Catetinho, primeira residência oficial do ex-presidente JK, em Brasília, edificado em madeira, em apenas dez dias, e que se encontrava prestes a sucumbir, deteriorado pelos cupins.

E mais viu José: Museu das Armas da Polícia Civil; Museu da Cidade; Espaço Lúcio Costa; Museu das Gemas; Museu de Valores do Banco Central; Museu Vivo da Memória Candanga; Memorial dos Povos Indígenas, depositário de peças deixadas pelo antropólogo Darcy Ribeiro, confeccionadas pelos xavantes, do Mato Grosso, guaranis, de São Paulo, pataxós, da Bahia e por outras tribos do Alto Xingu. Por último, esteve no Museu Nacional Honestino Guimarães, cuja denominação homenageia personagem de nossa história política. O porquê dessa honraria, o leitor bem o sabe.

Por fim, José consultou suas anotações. Restava-lhe visitar a Casa do Cantador, em Ceilândia, local de festivos encontros dos poetas populares do Nordeste que, em versos de improviso, se expressam ao som de chorosa viola, relatando acontecimentos históricos e prosaicos, quando não se desafiam mutuamente em acaloradas refregas.

José, talvez, não saiba que perdeu o melhor da festa, ao desistir de conhecer a Casa do Cantador, em Ceilândia. Encerrou a rápida viagem turística à Brasília sem conhecer a cultura cordelista de uma região saudosa a seus filhos, retirantes banidos pela seca e pela adversidade. A propósito, conheço um deles – você sabe quem –, sobrevivente das intempéries da vida, que prosperou na política, lambuzou-se na corrupção desenfreada e hoje amarga a prisão, como justa pena por sua infidelidade aos preceitos morais e de honestidade, aliás, coisa rara no Brasil de hoje. Uma pena, pois não!