Piscina do condomínio

(texto de autoconhecimento)

Daquele jeito:

Após uma rotina de trabalho, chegou em casa cansada, e nem tinha reparado que havia um papel passado por debaixo da sua porta.

Quando finalmente notou, percebeu que era o boleto do condomínio. Mas já? Pensou. E ao abrir, o susto: estava 200 reais mais caro que mês passado. Não demorou muito para interfonar na portaria:

- Boa noite, sra. Mayara!

- Boa noite Luiz... me diga, por que aumentou este absurdo o condomínio? Não recebi nenhuma carta de aviso!

- Ô, senhora...conseguimos avisar apenas na reunião, a impressora deu problema. É para a reforma da piscina.

- Piscina?

- Sim, da piscina dos pequenos... a do grande já finalizou.

- Entendi... verdade. Obrigada, Seu Luiz, boa noite!

- Boa noite, senhora.

Ela notou então que tinha piscina no condomínio. Depois de já 15 meses morando no espaço, teve a leve lembrança de que, ao escolher aquele apartamento, tinha elogiado a piscina do espaço.

Isso era em torno de 20h30. Sem hesitar, foi ver um filme, mas a piscina não saía da sua mente.

Desligou então a TV. Filme, ela já tinha visto um monte. Agora a piscina...nunca tinha entrado!

Morando sozinha e sem receber muitos amigos, passava os fins de semana viajando, ou dormindo.

Era segunda, e pelo horário, Mayara pensou que não haveria muitas pessoas. Colocou um maiô, levou roupa e toalha, e foi finalmente ver a famosa piscina.

Tava uma noite linda. A Lua parecia um queijo da Serra da Canastra, de tão grande e delicinha de olhar. Ao colocar o primeiro pé na piscina, mais uma delícia: a água estava morninha, daquele nível de quando esquentamos o leite e colocamos o dedo pra testar a temperatura, e ele fica ali, quentinho de confortável.

Começou então com alguns mergulhos. Dos mergulhos, umas tentativas frustradas de hidroginástica, do que sabia e tinha visto em vídeo. Apoiando em uma das bordas, sem perceber, Mayara estava em posição para se jogar contra a piscina.

Nisso, parecia que tudo em volta mudou. Ela não tinha mais 30, e sim 11, quando fizera suas primeiras aulas de natação, às 5h30 da manhã, no interior de São Paulo. Lembrava de chegar na escola elétrica, agitada pela atividade física, e o sono só vinha lá pelas 11h da manhã.

Jogou!

Começa o corpo a tomar conta dela. Parecia que dizia "deixa comigo, pois eu lembro de todos os detalhes", e os braços começaram a se movimentar no nado de costas.

braço para cima, vira a mão, desce o braço, levanta o outro simultaneamente, bate as pernas.

Alcance o outro lado.

Sozinha, seu corpo lembrou de algumas modalidades por mais ou menos 50 minutos, até o porteiro dizer que precisava fechar o espaço.

Pedindo mais alguns minutos, Mayara deu um último nado de costas.

Dessa vez, notou que a diferença com o que sentia na infância era a visão proporcionada: na escola, a vista no nado era do teto; hoje, era o céu estrelado, contemplado pelo queijo, ops, pela lua.

Notara o quanto algumas coisas ficam, enquanto outras mudam. Não imaginava que, depois de tantos anos, seria alguém com uma certa liberdade, com trabalho, com pensamentos atordoados, com várias instabilidades emocionais. Depois ficava bem.

Mas a piscina do condomínio te fez lembrar de onde veio, e de quem ela sempre foi.

A garota elétrica pelos seus sonhos e força de vontade.

Pelo menos agora valeria a pena pagar o boleto todo mês do recinto.