DIA D

Muito bem, galera. Não é ainda a final da Copa do Mundo mas, no próximo dia 4, vamos todos acompanhar atentamente um jogo com 11 participantes. Em campo estarão os ministros do STF, cada um com suas firulas jurídicas, para, em síntese, livrar ou meter atrás das grades um ex-presidente da República. A urgência e importância do caso justificariam o atropelo na pauta de julgamento, que deixou no espelho retrovisor centenas de processos semelhantes que já estavam na fila há mais tempo.

Aí eu me lembro da história de outro cidadão que também pediu socorro à Justiça mas o seu grito não foi ouvido com a mesma presteza. Um cidadão anônimo, como milhões de outros brasileiros. Cujo nome não tem a menor repercussão nos corredores palacianos ou qualquer visibilidade nos holofotes globais, apesar de ser uma das melhores pessoas que já pisaram esta Terra de Santa Cruz. Anos depois de aposentado como servidor público, o INSS cassou equivocadamente o benefício desse cidadão, começando aí, em 2001, sua peregrinação nos tribunais de Brasília: primeira instância, segunda instância e, finalmente, Supremo Tribunal, onde o processo dormitou por oito anos. Em 2.015 – ufa! - o STF bateu o martelo confirmando o direito do servidor. 14 anos de luta. Aleluia! Agora é colher os frutos.

Só que não. O guerreiro ganhou a causa mas perdeu a vida, já octogenário, atropelado pela roda do tempo e sob o passo paquidérmico da Justiça. Foi, enfim, uma vitória de Pirro. Ele não dispunha de um batalhão de seletos advogados próximos da Corte, nem de um exército de seguidores dispostos a azucrinar sistematicamente os ouvidos dos julgadores em seus gabinetes. Ele era apenas um trabalhador na base da pirâmide. Daqueles que carregam as pedras. Que, na hora de pedir, têm de entrar na fila. Um João Ninguém para as manchetes dos jornais.

Com sua morte, o bastão ficou nas mãos da viúva, que tenta executar a decisão na origem, onde foi dado o primeiro passo. Nisso já se foram outros três anos. Petição pra lá e petição pra cá. Outono, primavera, verão, inverno. Nada. Mesmo derrotado, o INSS continua resistindo por mero esforço repetitivo. O hábito faz o monge. E a deusa Têmis, sufocada numa montanha cada vez maior de processos, sem manter o equilíbrio entre a espada e a balança, ainda não ouviu a voz da pobre mulher, que continua clamando no deserto. Até quando? Quousque tandem, Catilina?

E é nesse ponto que eu volto ao dia D, um prato cheio para os numerólogos de plantão. Explico: a sessão no Monte Olimpo será no dia 4 do 4(abril), uma quarta-feira, para combater uma decisão do Tribunal da 4ª. Região. O nome do impetrante tem 4 letras e ele quer ficar mais 4 anos no poder.

E é com essa coincidência que a viúva está contando, me disse ela, esperançosa. O nome do marido também tem 4 letras (José) e o processo tramita na 4ª. Vara Federal, ali pertinho da Suprema Corte. Quem sabe, no mesmo dia 4, a conjunção dos astros nos céus da capital não vai também sensibilizar o magistrado e atrair o processo para a sua mesa?

Claro. Os casos são um pouco diferentes. Ela não está ameaçada de prisão. Mas sem os proventos para comprar pelo menos os remédios do dia a dia ela fica ameaçada de perder um bem maior: a vida. E embora, ás vezes, cheia de saudade, deseje reaver a companhia do marido, acha que ainda é um pouco cedo para isso.

Quem vai lhe tirar a razão?

Pereirinha
Enviado por Pereirinha em 31/03/2018
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