Causo de Pintor

Adélia era uma mocinha recatada e requintada. Seu pai, um servidor público de mais de 25 anos de probidade administrativa, como gosta de dizer e sua mãe, uma gentil senhora que cuida da tia viúva e decrépita.

Acontece que Adélia se enrabicha por Malco, um rapaz do subúrbio, que com certeza não agradaria ao pai de Adélia. Os jovens têm seus caminhos cruzados no semáforo quando Malco cruza o sinal vermelho numa moto e quase a atropela. “Ele atropelou meu coração”, repete ela com orgulho.

Os encontros foram ficando mais frequentes e todos eles na rua. Adélia não queria apresenta-lo ao pai e, por outro lado, temia que os infindos amigos de seus pais os flagrassem por aí. Como o rapaz insistisse para enfrentar o sogrão, Adélia o admoestou a dizer-se pintor e nada mais, quando fosse lhe perguntado a profissão. O moço acatou a ordem.

Era uma noite de sexta-feira e a jovem avisa ao “dad”, como chamava, que no dia seguinte traria o candidato a namorado. O pai já fez careta, torceu o bico e a moça o desentortava chamando de “dadinho”. Aquilo funcionou e a permissão para Malco jantar ali foi dada.

Malco não estava nervoso, bastava dizer que era pintor e tudo daria certo. Chega para jantar com sua melhor roupa, lavou bem as mãos depois que saiu da oficina e estava pronto. A mãe de Adélia fizera uma iguaria italiana, o ambiente era regado musicalmente por Vivaldi e o pai da moça pergunta a Malco:

- Diga, então, cavalheiro, que profissão você representa?

O mancebo soltou de um sopro só o que ensaiara:

- Pintor, meu senhor.

- Que maravilha, adoro pinturas! Você é estilo Boticelli ou Di Cavalcanti? O que você entende de Guernica? Quais as mensagens escondidas nas pinceladas de Picasso?

Por essa Adélia não esperava. O pai não se contentou com a efêmera resposta de Malco e aprofundou.

O problema é que Malco não se situava no que dizia o sogro, então o velho perguntou:

- Diga, rapaz, o que você pinta?

- Eu pinto quadros de bicicleta, senhor, de todos os tamanhos e modelos. Esses caras aí que o senhor citou trabalham na minha oficina não, e tem mais, garanto que faço um trabalho melhor que o deles.

O rapaz ainda deixou o telefone com o pai dela e partiu de cabeça erguida, sabia que quadro de bicicleta era com ele mesmo.

Wesley Ribeiro Dias
Enviado por Wesley Ribeiro Dias em 24/02/2018
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