A Gula

Dos sete pecados capitais, a Gula é o mais aceito e até o mais difundido em nossa sociedade. É comum vermos nas famílias, vovós com receitas deliciosas de doces e guloseimas feitas com muito carinho aos filhos e netos. Na época dos grandes mosteiros na Europa medieval, as imagens que nos vem à mente são de monges obesos em romances como Romeu e Julieta ou Robin Hood.

A origem da Gula como pecado capital remonta aos meados dos anos 300 depois de Cristo, quando o teólogo e monge grego Evágrio do Ponto redigiu uma lista que, segundo ele, seriam os oito sintomas da doença do espírito: (1) Gula, (2) Avareza, (3) Luxúria, (4) Ira, (5) Melancolia, (6) Depressão, (7) Vaidade e (8) Orgulho. A Gula encabeçava a lista como o distúrbio mais grave.

Com o passar dos séculos, a igreja católica foi reformulando aos poucos a idéia de pecado, a “Melancolia” foi substituída por “Preguiça” e a “Depressão” foi suprimida da lista, passando assim de oito para os sete pecados que conhecemos hoje.

Quando Evágrio do Ponto redigiu as oito doenças do espírito, definiu com mais precisão o que seria de fato a Gula. Segundo ele, o sintoma estaria ligado à gula em si, bem como todas as formas de patologias orais. Por patologia entende-se uma disfunção do organismo humano. Hoje a psicanálise conhece as marcas deixadas por certos traumas de infância, principalmente na fase da amamentação.

Casos graves de ansiedade ou angústia podem levar ao indivíduo a ingerir grandes quantidades de comida, trazendo doenças como a Bulimia, ou ao contrário, rejeitando qualquer alimento ou bebida, o que caracteriza a Anorexia. Não precisamos citar exemplos tão drásticos. Basta reparar que quando nos sentimos ansiosos por uma prova, ou problemas no trabalho, tendemos a ingerir alimentos à revelia e até mais rápido do que de costume.

Os monges ortodoxos da região do Monte Athos, na Grécia, costumam propor a prece para evitar excessos ou impulsos alimentares. No livro da espiritualidade ortodoxa “Os recitais do peregrino russo”, é solicitado a um capitão que leia os salmos do evangelho no momento em que ele se dirige à uma garrafa de rum. A leitura dos salmos provoca uma salivação suficiente para acalmá-lo e cortar sua vontade de beber. Além disso, é comum ler relatos de antigos monges que propõem “ruminar” ou “mastigar” as palavras de Deus. No sentido de saborear e digerir melhor cada palavra através da oração.

Muitos teólogos afirmam que a Gula é um dos pecados que mais abrangem os vícios de outros pecados por estar especificamente ligado ao excesso. Aristóteles acreditava que não há felicidade sem a busca da virtude, que por sua vez, é contrária aos extremos, tanto na carência como no excesso. A felicidade seria então, segundo o filósofo grego, uma contínua moderação de nossos prazeres, o tal caminho do meio proposto por Budha. “Aos excessos, prefira a medida, o equilíbrio e a discrição” dizem os monges tibetanos. Mas hoje em dia convenhamos, é difícil resistir a tentação de um cremoso bolo achocolatado embalado em promessas de felicidade num anúncio da televisão.

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