SE TODO DIA FOSSE DOMINGO

SE TODO DIA FOSSE DOMINGO

O despertador tocou. Estiquei o braço. Com força de vontade reprimi o desejo de jogar o relógio na parede. Afinal, mesmo que eu o quebrasse o tempo continuaria inexorável em sua marcha via ao infinito.

Era segunda-feira e o dever clamava pela minha presença. Levantar, tomar banho, fazer a barba, escovar os dentes, botar uma beca e tomar o rumo do trabalho.

Na garagem, o carro estava com a vaga trancada. O vizinho, com cara de sono, de chinelos e com camisa de pijama retirou seu veículo para que eu pudesse sair.

O trânsito estava infernal, mas nada está tão ruim que não possa piorar. Na avenida que dá acesso ao aeroporto havia um congestionamento quilométrico. Tiroteio entre facções de bandidos. Ainda bem que era uns três quilômetros para frente.

Neste momento, o que costuma acontecer é aparecer os meliantes para fazer arrastão. Surpreendentemente, desta vez estava tudo tranquilo, a não ser pelos carros parados.

Recostei-me e comecei a pensar que poderia descansar um pouco, pois a noite de insônia havia me deixado prostrado.

Liguei o ar condicionado, desliguei o som e relaxei. Ou melhor, pensei que poderia relaxar. Eu sei que adultos não deveriam acreditar em fábulas, histórias infantis e afins. Mas aconteceu. Coisas da idade? Não sei; talvez. Um sujeito de turbante surgiu na minha frente e diante de meu susto se apresentou. Era o gênio da lâmpada mágica. Diante de meu ar de descrença ele não teve dúvidas, puxou um crachá e eu pude ver que ele falava a verdade.

- E aquela história dos três desejos ainda está de pé? Perguntei esperançoso. E para meu espanto ele disse que sim, mas com uma diferença; com a reforma trabalhista não eram mais três desejos, agora era um só, senão iriam dizer que era trabalho escravo.

Já que era um desejo só pensei bastante no que iria pedir. Deixei o individualismo de lado e lembrei-me da propaganda em voga: “Que Brasil você quer para o futuro”?

- Gênio, quero que no futuro o Brasil seja um país com gente honesta, com políticos que sejam éticos, que a sociedade se comporte como gente civilizada, que haja educação, saúde pública, segurança e que o Coxa seja campeão do Brasil.

- Você tá louco, respondeu o gênio. Isto que você está pedindo só depois de um novo big bang, de um novo universo. Você está querendo me jogar no buraco negro? Impossível, pode perguntar para o Stephen Hawking ou ali no Posto Ipiranga.

Pensei mais um pouco e tive uma ideia GENIAL. Desculpem o trocadilho.

- Quero que todo dia seja domingo, que não haja congestionamentos, que as ruas estejam calmas e que os bandidos estejam preocupados com o churrasquinho na laje e a cerveja geladinha.

- Opa! Aí sim... Deixa comigo. A partir de agora todo dia será domingo para você.

A vida tornou-se uma maravilha. Sem horário para acordar, sem compromisso de trabalho, sem chefe para mandar e sem aqueles colegas chatos do trabalho com suas piadinhas infames.

Acordei na manhã seguinte. Eram 11 horas. Entrei no banheiro como de costume, mas mudei de ideia. Banho para que? Fui de bermuda e chinelo comprar pão. Dei com a cara na porta da padaria. Ué! Onze e trinta e a maldita padaria fechada? Não querem ganhar dinheiro? Bando de vaga... Ah! Sim. Hoje é domingo. Vou comprar pão no mercado. Andei quase dez quadras e, cansado, consegui comprar os pães para o café da manhã. Cheguei em casa e percebi que havia esquecido de comprar pó de café. Voltar no mercado? Andar novamente tudo aquilo? Prefiro a sepultura. Vou de chá mate.

Os dias foram passando cada vez mais monótonos. Pescaria eu não aguentava mais. Os mosquitos eram insaciáveis. Eu estava todo cheio de mordidas. Deixei de lado. Barzinho dava muita despesa. Na segunda semana eu já havia gastado metade do salário com cerveja. A minha barriga começou a crescer e cair por cima do cinto. As mulheres nem me olhavam mais e o dia que eu dei um “bom dia” mais efusivo uma delas me respondeu: “Sai pra lá, BARRIL”. Ou será que ela tinha se referido a minha genitora? Passear no parque era cansativo e deixei de lado. Depois de duas semanas eu não aguentava mais. Precisava encontrar aquele maldito gênio para voltar aos dias normais. Já estava até com saudades de meu chefe, vejam só.

O gênio, muito esperto não havia deixado o número do whatsapp e muito menos o e-mail para que eu pudesse fazer uma reclamação. Será que havia um SAC para reclamar de serviços “geniais”?

Neste momento um guarda bateu no vidro do carro me alertando que a fila tinha andado e que eu estava parado atrapalhando o trânsito.

Eu havia dormido e sonhado que todo dia era domingo. Que bom que era apenas um sonho.

Quarenta minutos depois eu entrava na repartição. Passei pela sala do chefe e não resisti, dei-lhe um abraço bem forte.

- Estes puxa-sacos não têm jeito, falou ele. Nem me liguei. O Importante é que era segunda-feira.

CLEOMAR GASPAR
Enviado por CLEOMAR GASPAR em 07/02/2018
Código do texto: T6247552
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