Cruzadas do Sudeste

Décadas passam e histórias se cruzam. Num primeiro momento tive a impressão de ouvir algo sobre uma filha. Sim, inicialmente ela havia falado a palavra “filha”. No entanto, a tal filha era uma sobrinha criada. Mas em outro dia, em outra conversa, descobrindo mais sobre ela, ouvi: “sempre morei sozinha, tenho uma amiga solterona que nem eu”. Perguntei: “A senhora não tinha falado sobre uma filha?”. “Sim, filha do coração. Mas nunca casei, sou virgem. Tenho 86 anos. Nunca senti falta de homem e jamais quis ninguém bulino em mim.”

Os olhos entraram em erupção de tanta curiosidade. Queria saber mais. Muito mais. Havia sido criada por padrinhos no interior de Minas Gerais (esqueci o nome da cidade próximo a Governador Valadares). Atingindo a maioridade, decidiu sair da cidade para trabalhar em casa de família. Isto não agradou a madrinha que guardou mágoa por anos. No último contato doou um cobertor: “Você vai sentir frio”. Mistura de preocupação e desejo de castigo. Todas as cartas enviadas aos padrinhos eram devolvidas. O silêncio doía, rezava-se, clamava-se. Após cinco anos sem notícias, o perdão resolveu visitá-la. Ao abrir a porta teve a surpresa e a palpitação de ver novamente seus padrinhos e a irmã adotiva. Desde aquele dia a paz incorporou-se à sua rotina. Hoje envelhece feliz, rodeada de amigos. Sua simpatia e generosidade conquista a todos. Ocupa a maior parte do tempo ajudando amigos e realizando trabalhos voluntários na igreja. – Rio de Janeiro – Década de 50. “Cheguei ao Rio na época em que só havia bondinho.”

Alguns anos depois, chega ao Rio de Janeiro uma novata. Decidiu sair do seu pequenino lar em Morros, interior do Maranhão, para estudar e trabalhar. Veio ao Rio de Janeiro com a proposta de trabalhar em casa de família. Saindo do Maranhão, deixou a saudade e uma casa própria para a sua família. A casa foi comprada por meio do dinheiro conseguido de uma fábula, recontada por ela, sobre o investimento em um leitão. Este, na verdade, era um porco que de tão feio e magro, foi barato, ninguém dava nada pelo porco. Mas ela acreditou, engordou o porco e vendeu com lucro máximo. Com o dinheiro do leitão, foi para São Luís trabalhar de atendente em loja. Todos os salários eram guardados, gastava-se apenas o necessário para a sobrevivência. Com o montante dos salários, depois de alguns anos, conseguiu comprar a casa, deixar a sua família em segurança e seguir rumo ao seu próprio conto. Chegando ao Rio, conheceu um homem mais velho, um polonês. Este lhe deu vida de rainha. Mas faleceu em um acidente de carro. O dinheiro da indenização comprou a sua casa própria no Rio de Janeiro onde reside até hoje (olha a sua bondade em retorno no destino!). Depois se envolveu com um militar da marinha, cujo presente foi a sua única filha. Este amor foi efêmero, foi embora e já possui outra família. Mas paga a pensão da filha e a incentiva. A filha tão determinada quanto à mãe, já possui duas graduações e pretende seguir o exemplo do pai de carreira militar. A protagonista, atualmente, está dando todo o apoio à filha até terminar os estudos e passar em um concurso. Depois disso, aos 60 anos, planeja realizar o seu sonho que é fazer uma faculdade de nutrição. – Rio de Janeiro – Década de 70.

Em dias contemporâneos, cai lá de cima do Ceará mais uma novata. – Rio de Janeiro – 2014. História em construção...

Ubirani
Enviado por Ubirani em 04/01/2018
Reeditado em 04/01/2018
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