O DIREITO DE RELER

Adoro ler e reler, descobrir novas perspectivas da leitura de um mesmo texto, gosto de me apaixonar pelos personagens ou então de me convencer quem são os inimigos mortais da obra relendo-a.

Aos nove anos de idade li "Os Sertões" de Euclides da Cunha. Era uma edição pesada de capa dura e negra, com algumas figuras. Li a obra completa, anotando o significado de todas as palavras desconhecidas (pela minha precoce idade, as palavras desconhecidas eram umas cinco em cada dez). Não sei que fim teve aquele livro, e não me lembro de nada do que li. Tenho o direito a releitura, mas atualmente não faria questão de usufruir desse direito no caso da prosa "Os Sertões". O leitor também tem o direito de reler o que quiser, certo?

Aos doze anos já tinha lido completamente a coleção Vaga-Lume. Eu passava o dia todo trancada no quarto lendo, vivendo em outras dimensões, vivenciando aquelas aventuras dos livros, as quais me eram negadas o direito de vivenciá-las na vida real.

Aos treze anos conheci "Dom Casmurro". Eu já conhecia a cartomante, mas o lado Casmurro de Machado me fez fica perdidamente apaixonada. Reli o romance dos criançolas, o juramento do poço, o negro da cocada, a morte de Escobar e a loucura de Bentinho sete vezes. Os olhos de cigana oblíqua e dissimulada me intrigaram desde o meu primeiro contato com eles. José Dias, o meu agregado preferido, jura que os olhos de cigana oblíqua sejam apenas de ressaca... vá! De ressaca!

Eu me reservaria o direito de não gostar de todas as obras de um mesmo autor. Digo que é um tanto chato ler a "Missa do Galo" ou "Esaú e Jacó", e quando digo que amo Machado é pensando especificamente em seu Casmurro.

Já quis até tatuar em mim a inscrição:

BENTO

CAPITOLINA

tal qual foi inscrito no muro da gente do Pádua, naquela Rua de Matacavalos...

Reler, reler, reler e cada vez mais me apaixonar por José Dias, um dos últimos sujeitos a usar presilhas nas calças no Rio de Janeiro. Relê-lo é um dever amaríssimo, assim como o é, também, apaixonar-se por um personagem.

L.B.

07.10.2013

Alucy
Enviado por Alucy em 03/01/2018
Reeditado em 03/01/2018
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