MÚSICA DECLAMADA

Tudo começou, acredito eu, na Europa, nos tempos do laquê e da brilhantina. No tempo do namoro comportado, ora no portão, ora no sofá, e sempre com um desmancha-prazeres, geralmente um cunhado, a segurar a vela. Era época de se declarar numa carta de amor, de pedir em namoro, de enviar flores e de compor e declamar poesias. As músicas que embalavam os sonhos dos enamorados eram melosas e pediam dança com rostos coladinhos.

Era a época dos radialistas, geralmente homens com vozes gostosas, dedicarem aquelas canções a quem pediu com tanto amor oferecendo para alguém especial. Conquistar uma mulher era tarefa difícil! Foi aí que entrou em cena a música declamada. Quem se lembra dos sussurros, ora com um timbre grave aveludado, ora com aquele ronronar de gatinha manhosa, em Je T'aime moi non plus? E de Roberto Carlos entregando-se ao jogo da sedução declamando e sussurrando: “- O que é que você tem? Conta pra mim, eu não quero ver você triste assim...” ou narrando a viagem solitária e sem destino em “120... 150... 200 km por hora”?

Mas, foi naqueles gostosos anos 70 que a música declamada virou febre nas paradas musicais do país. Lembro-me muito bem. Galãs de TV e locutores de rádios, possuidores do timbre grave aveludado (voz de travesseiro), começaram a conquistar ouvidos, corações, fama e dinheiro, sussurrando coisas bonitas, e soprando sensualidade.

Francisco Cuoco levou muitos corações partidos às lágrimas com aquele Soleado. À época, eu era só uma menininha com maria chiquinha nos cabelos. Mas, romantismo é uma coisa que vem na alma da gente. Eu ouvia, achava linda a melodia, a voz de travesseiro soprando sensualidade; e do nada sentia vontade de chorar.

Outro que também andou levando muitos sensíveis e nostálgicos às lágrimas foi o locutor de rádio Barros de Alencar. Quem não se lembra daqueles apelos dramáticos em Apenas Três Minutos, Prometemos não Chorar e Meu Amor?

Neimar de Barros nos encantou com suas poesias cheias de lições de vida e Marcos “Baby” Durães e a inesquecível atriz Maria Izabel de Lizandra também encheram nossos corações de paixão e emoção. Foram estes os maiorais! Mas, recordo-me de outras vozes murmurando nas ondas do rádio, nas vitrolas e toca-fitas.

Ainda hoje há quem suspire recordando-se com nostalgia das poesias gravadas de outros tempos, talvez pensando numa desventura amorosa ou num momento da juventude. Afinal, quem não tem na mente uma recordação de um namoro ou uma história passada?

No passado, um homem romântico era mais valorizado pela mulher. Hoje, romantismo soa quase como pieguice. Pudera! As coisas hoje fluem tão facilmente! Hoje chamam de "ficar”; no meu tempo era namorar. A moça já pode partir para a conquista sem correr o risco de ficar mal falada e malvista. Ela pode dividir com o rapaz a conta do restaurante, a entrada da festa e até o motel. Ainda há quem goste de ouvir eu te amo, mas, sem apelo melodramático. As manifestações de amor mudaram.