Happy hour

Cansado demais até para entrar no assunto, fico no meu canto recreando os olhos na movimentação da Carmem Duarte nesta hora de lusco-fusco, e me distraindo com a parlapatice do pequeno grupo de homens, todos mais jovens que eu, coisa que de tempos para cá tem se tornado cada vez mais comum. Disputam o direito à argumentação com gestos largos dos braços e brados elevados em tal alarido que chamam a atenção dos transeuntes.

Debaixo da lona na banca de verdura que, com a incrementação do espetinho e da cerveja, acabou virando o happy hour da moçada depois do batente, sinto-me parte dessa gente e não perco meu tempo aqui sentado, é em ocasiões assim que colho meu material de trabalho, que depois de um longo processo de curtimento, acaba virando algumas linhas, no meio de um texto qualquer.

Sempre me diverti muito com as chamadas bravatas, há quem as conta a todo tempo como se tivesse uma necessidade muito grande de estar por cima, uma sede de reconhecimento que nasce naturalmente da consciência da própria pequenez, compensação de alguma área deficitária da vida pela ostentação daquilo em que se sobressai de alguma forma. Filhas da vaidade, as bravatas convencem mais ao seu autor do que aos destinatários, razão porque não são de todo inúteis, uma vez que alcançam a quem delas tem necessidade, o próprio palrador.

É uma roda com sujeitos broncos e, portanto de assuntos rasos, agora, por exemplo, depois de haver, a palestra, passado pela pescaria e pelo futebol com cada qual realçando suas habilidades, chega, em se tratando de contar bravatas, à inevitável paragem do desempenho sexual. Rio-me da rapaziada enquanto reflito sobre esse lado bom do envelhecer para quem alcança uma tranquila aceitação de si como se é. Como todos os assuntos, esse também, depois de explorado com a comicidade que sempre lhe pode ser emprestada, chega às raias do esgotamento quando um deles me aborda no afã de evitar-lhe o soçobro. Há um silêncio de expectativa que não posso simplesmente ignorar. Digo que meu tempo de estripulias já passou. Insistem esperando bravatas também da minha parte desconverso: Não vou dizer no boteco o que não posso dizer na frente da patroa. Quero ver vocês repetirem a narração de todas essas façanhas lá nas suas cozinhas. Teremos oportunidades.

Há um rebuliço de risos e inocentes acusações mútuas, com algumas aprovações ao meu argumento, depois do que a conversa resvala para os rumos da política. Bem! Tá na minha hora.

Carlinhos Colé
Enviado por Carlinhos Colé em 19/12/2017
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