Se Chover...

 




Ontem choveu. Ante-ontem também. Parece que a chuva adora passar feriados prolongados em minha cidade. E quando chove por aqui, não há muito a se fazer... mas mesmo assim, fiquei sabendo através das redes sociais (eu debaixo do meu cobertor, escutando o aguaceiro) que ontem aconteceu uma caminhada em defesa das crianças e contra a pedofilia. No vídeo, as pessoas caminhavam sob seus guarda-chuvas pelo aguaceiro.

Fiquei impressionada, pois petropolitanos não saem de casa quando chove. Ou quando está muito frio ou nublado. Nós nos trancamos dentro de casa, as TVs ligadas, as cortinas cerradas. Não sei porque, já que o que mais acontece aqui, é a chuva - Petrópolis sendo Petrópolis.

Meus cachorros ficam deprimidos, e a fim de aliviar um pouco a depressão deles, nós os deixamos entrar na sala de estar , e eles se deitam no sofá, onde dormem por horas a fio. Depois, aspirador de pó em tudo... 

Passei a tarde toda assistindo a uma porção de filmes que eu tinha escolhido e gravado. Mas depois dá aquela ressaca! Quem nunca teve ressaca de sofá que atire a primeira pedra. Doem os rins. Doem as costas e joelhos. A gente fica exausto de tanto não fazer nada. O cérebro fica lento, e quando a gente se olha no espelho, dá de cara com cabelos desgrenhados, pijamas amarrotados e olhos de peixe morto. 

Daí, eu fico pensando nos dias em que estou trabalhando muito e sonhando com dias assim, de folga, em frente à TV... minha mãe tinha razão: o melhor da festa, é esperar por ela. Essa modorra é deliciosa durante algumas poucas horas, mas ela nos tira do ar, nos estraga a rotina. Descansar também cansa.

É... parece que o trabalho não apenas enobrece a alma e enche os bolsos, mas também nos livra dessa sensação de modorra e fim de mundo. Porque estar dentro de casa, com as portas e janelas fechadas enquanto a chuva se derrama sobre os telhados lá fora, dá essa sensação de estarmos ilhados em algum bunker no fim do mundo. Principalmente quando isso acontece por dois dias seguidos, ou mais.

Eu sempre me lembro de um dia quando eu era bem pequena: choveu durante semanas a fio. Era a época de férias da escola, então eu e minha irmã ficávamos dentro de casa sem podermos sair para nada. Minha mãe tentava inventar algumas brincadeiras, mas o tédio sempre vencia.

Mas é claro, um dia, a chuva parou. Prestamos atenção, e não havia  nenhum barulho vindo do telhado de zinco que cobria a casa. E olha que chuva sobre telhado de zinco faz um barulho danado, e de repente aquele silêncio... colocamos os narizes para fora da janela, e o sol brilhava no final da tarde, indo dormir, e projetando um arco-íris sobre o céu de chumbo. O chão ainda estava molhado. Pouco a pouco, as janelas das casas do bairro iam se abrindo. 

Eu e minha irmã saímos de casa. Os vizinhos conversavam nos portões e muros. Era perto da época do Natal. Eu era tão pequena! Mas eu me lembro direitinho de que corri lá para o quintal, evitando as poças d'água, abri os braços e respirei fundo o cheiro da terra molhada. Nunca me esqueci daquele dia! Havia sabiás cantando, se recolhendo para ir dormir. Eu só queria poder ir brincar com meus coleguinhas. E foi com muita alegria que eu e minha irmã escutamos minha mãe dizer "Podem ir, mas voltem antes de escurecer." Isso significou apenas meia horinha, mas foi muito bom. Brincamos na rua, ali perto. Ainda havia uma enxurrada descendo no meio-fio, e quase perdi meus chinelos Havaianas nela.

E nem sei porque estou me lembrando desse dia logo hoje.

Acho que vai chover de novo. O céu está ficando escuro...


Ana Bailune
Enviado por Ana Bailune em 21/11/2017
Reeditado em 21/11/2017
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