Terça-feira

Quatro e meia da manhã. Ninguém merece acordar a essa hora, mas isso não parecia incomodar Floriano. Ganhava a vida dirigindo um caminhão; era seu sonho de infância. Era? Não se lembrava, mas poderia ser. Se apressava para sair cedo, talvez ainda desse tempo. Colocou uma camisa florida - para ele combinava perfeitamente, talvez pelo nome...

O dia seria trabalhoso, vários fretes a fazer, mas fazia questão de apenas um. Era um homem simples, nasceu e cresceu nos subúrbios do Rio. Gostava de cerveja, futebol e do antigamente: das pipas, das peladas e das namoradas de sua mocidade.

Algumas entregas depois, estava Floriano, às nove horas em ponto, em frente ao Bar do Rodolfo. Prontamente, dois ou três funcionários ajudavam a descarregar os engradados semanais. Ele, como sempre, atento aos arredores. Eis que surge da esquina, ela! Personificada, a alegria de Floriano. Sempre no mesmo horário, passeando com seu cachorro.

Vinte e muitos ou trinta e poucos de idade, não se importava, mas sabia que uns 10 anos mais jovem. Não sabia seu nome, e nem ela o de Floriano, mas ele fantasiava. Seria uma Maria? Ou Gabriela? Imaginava sua vida com ela. O casamento, os filhos, os netos, seria perfeito. Mas tudo desapareceu, era Rodolfo, trazendo-o de volta para o mundo real - não conseguia mais segurar o engradado sozinho.

Floriano dirigiu o resto do dia imaginando. Estava apaixonado. Talvez ela revivesse o seu espírito jovem. Não era capaz de falar com ela, não podia. Porque não? Ele não merecia o amor, ou a felicidade? Talvez não quisesse. Um amor impossível, Romeu e Julieta, parecia bom para Floriano. Bastava isso.

Chegou em casa tarde aquele dia. O jantar estava pronto. Por um momento esquecera que havia se casado. Ainda gostava de sua mulher, sempre tão dedicada, mas não encontrava mais o amor. Teria Floriano traído seu casamento ao imaginar? Não, isso não era possível. Eles eram felizes, afirmava. E foi dormir, ansioso pela próxima terça-feira.

João Halfeld