Ana

Ana irritou-se quando o irmão lhe pediu para passar o sal, sobre a mesa. Disse: "Agora não dá! Eu já te disse que estou cheia de coisas por fazer e é tudo muito importante! É casa, filho... E é sempre tudo nas minhas costas. Mas que coisa, será que ninguém me entende?!?" E saiu esbravejando, como se o mundo fosse de fato sensibilizar-se com sua dura vida normal, fruto das suas escolhas, incrivelmente, pessoais e intranferíveis. Um estilo de raiva explosiva facilmente comparável a um inseto morrendo. De onde tiro isso? Reflita, caro leitor. Lembra-te daquela barata aflita no chão da tua cozinha, esperneando bravamente durante o cumprimento de sua infeliz sina de barata: morrer reclamando, inutilmente. Não negarei o fato de ser intrigante a maneira como nos comparamos aos bichos. O fato é que nos esquecemos que também nós somos bichos, esquecemo-nos disso por causa da via que decidimos trilhar. De uma feita estávamos todos nús e felizes na mata, daí veio a fome e com ela o predador. Saímos correndo e nos escondemos dentro de cavernas - foram longos anos. Após isso chegaram os patriarcas, líderes, reis, juízes, chefes, caciques, imperadores e o diabo a quatro de comandantes... Nos pisaram, de fato, mas também nos serviram, mesmo numa relação parasita. Aguentamos firme. Aí chegaram à nossa porta as ideias, atrasadas, para não ferir a tradição, e após elas as revoluções. Andávamos lado a lado com o passado, mas naquele tempo conseguimos dar um passo a frente e ao olharmos pra trás nos encontramos face a face com nosso velho companheiro - não era bonito, diga-se de passagem- e, olha... Foi uma briga feia... Começou com insultos, depois tapas e terminou com sangue no chão. Mas passou. Vivos estamos e há pouco nos recuperamos dos roxos que restaram. Nós e o passado ainda continuamos brigando, agora só de bate boca. Olhe ao redor e veja o quão longe agora estamos dos bichos. Eles não brigam por essas coisas... Pensando bem, retiro parcialmente o que acabo de dizer. Não estamos longe de todos os bichos: algumas pessoas ainda são Ana.