EU VIM DE LÁ DO INTERIOR

Eu vim de lá do interior.

Onde cresci ouvindo que na quaresma as portas do inferno ficavam abertas.

Cresci ouvindo dizer que onde a mula sem cabeça pisava, fazia um orifício que ia até ao lençol freático. “Até achar água”, diziam.

Que o lobisomem saía nas noites de lua cheia uivando pelo fadário que carregava, comendo excrementos dos galinheiros e percorria sete cidades em uma noite.

Eu vim da cultura interiorana onde as assombrações tinham lugares fixos pelos caminhos das montanhas, cada lugar era uma assombração diferente que aparecia para os viajantes.

Eu vim de lá do interior.

Eu vim de onde se fazia broas de pau-a-pique em forno de lenha, e para aproveitar o aquecimento do forno, também se fazia os biscoitos de polvilho azedo.

De onde o milho para virar farinha passava primeiro pelo monjolo.

Eu vim de onde o café era feito com garapa de cana e não com água da fonte.

De onde o banho era de bacia com água esquentada na trempe do fogão de lenha.

Eu vim de onde as galinhas caipiras viviam soltas pelos pastos, patos e marrecos mais fora d’água do que dentro.

Eu vim de lá do interior.

Eu vim de onde as mamangavas faziam moradas nos mourões de certa às beiras das estradas.

De onde as abelhas ainda faziam mel nos ocos das árvores no meio da floresta.

Eu vim de onde lambaris se expunham em águas cristalinas e nunca eram fisgados.

De onde as caixas de marimbondos ficavam uma eternidade nos estuques das casas.

Eu vim de lá do interior.

De onde se levavam flores e rezava nos pés das santas cruzes.

Eu vim de onde as horas eram vistas através do sol e das sombras pela luz transmitida por ele.

De onde se sabia quando ia chover ou ventar, sol ou nublado, apenas ao olhar para o céu.

Eu vim de onde os remédios eram caseiros e curavam mais do que bolinhas brancas feitas em fábricas e que causam mais danos do que curam.

Eu vim de onde se rezava aos domingos na Igreja, depois se fazia uma roda de bate papo que ia até ao escurecer.

Eu vim de lá do interior.

É isso aí!

Acácio Nunes

Acácio Nunes
Enviado por Acácio Nunes em 31/10/2017
Código do texto: T6158300
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