SABER... EU SEI, MAS É A LEI!

Antônio estava no ponto de ônibus, voltando do trabalho, naquele finalzinho de tarde, quando aquele garoto de mais ou menos uns 12 anos, sujo, calçando um tênis rasgado aproximou-se dele, com um olhar de súplica e em voz baixa lhe pediu.

− Moço... me dá dois reais!?

− Pra que você quer dois reais?

− Pra comprar um lanche!

− Ah! Você está com fome?

O garoto balançou a cabeça que sim e Antônio condoído com aquilo prontificou-se logo a ajudá-lo.

− Venha comigo até a padaria da esquina que eu te pago um lanche – disse já enfiando a mão no bolso.

O moleque esperou de mão estendida e como os dois reais não chegaram em sua mão, ele endureceu o olhar e disse.

− Eu te pedi dois reais e não lanche...

− Mas você não está com fome? – Argumentou Antônio tirando a mão do bolso – Eu te pago o lanche... vamos lá comigo...

− Eu quero dois reais...

− Não! Eu te pago o lanche se você quiser – insistiu Antônio - mas dinheiro, eu não te dou.

− Olha só coroa... se tu não “quer” me dar os dois reais... o lanche tu “pode” enfiar naquele lugar.

− Olha o respeito moleque... eu tenho idade pra ser teu avô.

− Vai te lascar seu bunda mole... seu otário! – enquanto falava isso o menino que antes parecia frágil e desamparado, agora estava enfurecido, munia se de pedras, uma em cada mão e partia para cima de Antônio xingando desaforadamente.

− Seu velho babaca, agora tu “vai” ver... tá me tirando... seu otário... agora eu quero é a tua carteira... passa logo a carteira e o celular!

Atirou uma pedra em direção à cabeça de Antônio que se esquivou e viu a pedra espatifar-se no poste, no qual ele estava encostado. Quando o menino passou a pedra que segurava para a outra mão e preparava-se para atirar-lhe, Antônio resolveu agir, dando um salto, segurou os dois braços do menino, apertando com força, fazendo com que ele soltasse a pedra. Naquele momento dois homens que estavam no bar (e com certeza assistiam a tudo), correram e seguraram Antônio, fazendo o soltar o garoto que desandou a chorar e acusá-lo de tê-lo agredido. Nisso, uma senhora acompanhada de duas outras mulheres, pararam próximo e começaram a xingá-lo de covarde, sem nem mesmo saber o que havia acontecido.

O número de curiosos foi aumentando e de repente Antônio se viu cercado por uma pequena multidão que paparicava o pequeno ladrão e ao mesmo tempo o xingava e o ameaçava, até que de repente um sujeito passou-lhe uma rasteira, fazendo o cair na calçada dura.

A partir daí ele só lembra dos chutes e dos xingamentos e deu graças a Deus quando ouviu a sirene da viatura fazendo silenciar os gritos da turba enfurecida.

Na delegacia, o Dr. delegado refestelado em sua cadeira giratória o encara e pergunta:

− Então você gosta de bater em garotos inocentes, não é?

− Não... doutor! Ele pode até ser garoto, mas não tem nada de inocente. Ele queria me roubar...

− Eu sei! Conheço aquele pivete. Você não é a primeira vítima dele e nem o primeiro a cair nesse truque dele.

− Então eu estou livre? Posso ir pra casa?

− Nem pensar! Você está sendo acusado de agredir uma criança e não importa o que ela tenha feito, simplesmente você é o culpado e ela inocente.

− Mas, se você sabe doutor...

− Saber eu sei... mas eu tenho que cumprir a lei. O estatuto... sabe!

− Ah! A lei... entendi...

E foi assim que Antônio, um trabalhador brasileiro, pagador dos seus impostos e cumpridor de suas obrigações cívicas descobriu:

* Que as leis Brasileiras não foram feitas para proteger pessoas serias e responsáveis

* Que uma mentira de um menor infrator vale mais que 100 verdades de um trabalhador

* Que o povo, às vezes julga, condena e executa sem conhecer a verdade, faz isso baseado apenas na aparência e no que ouve.

* Que por ter se negado a dar dois reais ao pedinte bandido, teve que pagar dois mil reais de fiança e gastar outro tanto com advogado.

* E que em um pais onde a mentira tem mais força que a verdade, é necessário ser honesto em dobro para que tudo não desande de vez.