O Ouro, a Aparecida e Eu

O ouro no Brasil começou a ser descoberto pelos bandeirantes paulistas por volta de 1693, primeiramente em Taubaté/SP, o que os encorajou à entrada pelos mares de morros adentro, subindo e descendo as serras até chegarem à região das minas.

A notícia, uma vez espalhada, provocou um intenso fluxo migratório de todas as partes do território brasileiro e também de novos portugueses, fazendo com que em poucos anos, onde apenas índios habitavam as matas fechadas, nascesse uma Vila Rica.

Já em 1711, contava esta com uma população de mais de 30 mil habitantes. Imaginem esse processo.

Diversos povoados iam se formando em todo o entorno da região das minas e ao longo das estradas que iam se fazendo em decorrência do fenomenal fluxo de pessoas que iam em busca de novas oportunidades de vida.

Nesse mesmo fluxo, em 1717 o então governador da já elevada província de Minas e São Paulo, seguia para a promissora Vila Rica, fazendo uma parada estratégica na Vila de Guaratinguetá, o que provocou a ordem local para que pescadores da região providenciassem peixes para o banquete de tão importante autoridade.

Nesse ano de 1717, então, em decorrência desse fato histórico diretamente relacionado ao início do ciclo do ouro no Brasil, inicia-se uma outra história, a que ensejaria a formação de uma outra Vila, a de Aparecida, após ser encontrada a imagem da santa no rio Paraíba do Sul por 3 pescadores, numa época de um Brasil ainda colônia de Portugal, movido pela mão de obra escrava do negro africano e em intenso processo de miscigenação com estes, os portugueses e os milhares de índios nativos retirados do isolamento nas florestas virgens.

Morros e morros, mas um deles, o dos Coqueiros, ganharia enorme significado na história religiosa de um povo, cuja ancestralidade está ligada tanto aos bravos bandeirantes que adentravam matas fechadas com suas armas, subiam serras e navegavam rios desconhecidos em busca de minerais preciosos, quanto à saga daqueles outros que, décadas depois, após a decadência do ouro e do empobrecimento daquelas populações, surgiu como um novo tipo brasileiro denominado caipira.

Desse tipo brasileiro fruto dessa miscigenação de costumes e tradições entre índios, brancos e negros vieram meus pais e meus avós, tendo eu nascido em Guaratinguetá e crescido na cidade de Aparecida, tendo recebido todas as influências desse passado histórico na minha própria personalidade, até então sem saber.

Estudar a história pela ótica da nossa própria existência muda a perspectiva de dever de casa para a de uma experiência encantadora, uma aventura e um desbravamento em terras ocultas de nossas próprias emoções internas, que geneticamente estão lá.

É indescritível a sensação da descoberta de que boa parte do que sou, um brasileiro, paulista interiorano de manias simples, desconfiado e ao mesmo tempo, por vezes inocente, guarda forte relação com séculos de história daqueles que me antecederam, desconhecidos que me deram o privilégio de viver graças às suas superações, suas lutas, suas lágrimas e sangue.

O que nossos antepassados fizeram há séculos antes de nós está dentro de nós, ainda que não tenhamos consciência disso, seja em nossos hábitos, nossos gostos, nossos temperamentos, enfim, em todo o nosso modo de ser.

Alimento o desejo de mergulhar fundo nesse passado de mistérios e encantos, em busca do resgate de nossa própria história, no caso, a minha própria.

Se conseguirei, não sei dizer. É ainda um desejo que não virou projeto, mas é uma semente.