A Boa Tecnologia

O dia começa com a luz da manhã invadindo o quarto ou com o som do despertador do telefone ao lado da cama. Tem gente que prefere o jeito natural de viver e outros escolhem o auxílio da tecnologia. Uns podem abrir a janela, olhar o céu, procurar as nuvens e sentir o sol, enquanto outros automaticamente ligam a televisão e às vezes nem veem o que está passando.

A vida de um indivíduo e da sociedade pode ser aperfeiçoada sempre. Perceber as dificuldades que o ser humano possui e estudar sistematicamente como superá-las é inerente ao processo evolutivo do homem. No entanto, isso só ocorre depois de um período de adaptação porque nem sempre novos métodos ou fazeres surtem efeitos positivos. Para alguns, os efeitos colaterais podem ser destrutivos. O que era para ser bom pode se tornar ruim. O que é feito para melhorar pode contribuir para prejudicar.

A expectativa de vida aumentou e muito no mundo todo. Avanços na medicina, na farmacologia e a própria tecnologia da informação possibilitaram isso. O acesso às mais recentes descobertas no campo da alimentação, dos exercícios para o corpo e terapias que tornam a mente mais saudável têm envelhecido a população mundial sem negligenciar a qualidade de vida. Por outro lado, também existe a possibilidade do excesso de informação desencadear a ansiedade, a angústia e os remédios que poderiam aliviar o que terapias não conseguem curar acabam sendo um meio para abreviar a própria vida.

A existência de um ser pode estar na palma da mão. O aparelho é o despertador, relógio, agenda, correios, jornal, livro, rádio, televisão, vídeo game, ponto de encontro. Ele não serve apenas para fazer ou receber ligações. Na verdade, se toca com esse fim já gera um incômodo no mínimo. Será algo importante ou apenas uma cobrança de conta atrasada? Hoje, o bom senso indica mandar uma mensagem antes para perguntar se pode telefonar.

Da mesma forma que o telefone inteligente ajuda a tornar as tarefas rotineiras menos tediosas como ficar em uma fila ou à espera de um transporte coletivo, também pode atrapalhar nas tarefas mais rudimentares. A água do café que ferve excessivamente, uma torrada que passa do ponto ou o simples fato de esquecer escovar os dentes. Sem falar em dirigir com ele ao volante. Multa é o menor dos problemas que esse hábito pode gerar.

Tudo é virtual e até mesmo se sobrepõe ao real. Quem nunca viu um grupo de amigos ou familiares sentados em uma mesa, mas em vez de conversarem entre si estavam todos olhando a telinha do celular. Quantas amizades foram desfeitas por mal entendidos escritos no aplicativo de troca de mensagens ou até mesmo namoros e casamentos chegaram ao fim por ciúmes infantis ou traições covardes? Ele é uma arma de distração em massa e também de destruição de relacionamentos.

Trocar a interação presencial pela digital é prejuízo na certa. Pesquisas sobre a linguagem corporal revelam que apenas sete a dez por cento do impacto da mensagem estão nas palavras e assim mesmo as faladas. A entonação e os sons vocais correspondem de 20 a 30 por cento e o restante da decifração comunicativa está nos sinais não verbais. Por outro lado, pessoas distantes pelo tempo ou pela distância se reencontram ou mantém contato. Sempre há o lado bom, o problema é saber onde ele está e não invertê-lo. É a dosimetria da tecnologia. Dependendo da quantidade, uma substância química pode se tornar um remédio ou se transformar em veneno.

Outro estudo revelou que cada vez que se acende a tela, o usuário busca sensações de prazer como se realmente estivesse em um jogo. A professora Gloria Mark, do Departamento de Informática da Universidade da Califórnia Irvine, mostrou que ocorre uma sensação da recompensa como se tivéssemos recebendo gratificações ao ligar o celular, ao receber uma curtida em um post, uma mensagem no bate-papo, uma simples informação nova. Tudo isso funciona como pílulas do prazer. A compulsão é decorrência das descargas de dopamina, substância química conduzida pelos neurônios que fornecem êxtase, que cria uma nova forma de dependência, o vício moderno só abastecido virtualmente.

A tecnologia nos ajuda a se informar e o mau uso dela contribui para desinformar. É o estelionato virtual. O que poderia apenas nos entreter pode provocar dias perdidos em um ano inteiro com vídeos e imagens nem sempre engraçados e raras informações relevantes quando não falsas. Estamos na era dos Fake News. Boatos e mentiras proliferam com o intuito simples de enganar e fazer você perder tempo. Em vez de ferramenta profissional ou para auxílio da vida pessoal torna-se um brinquedo para adultos, mas que nem sempre diverte.

Desligar o som das notificações e voltar a usar o aparelho como telefone pode ser uma solução, mas se o nível de compulsão não permite que você procure o smartphone em curtos espaços de tempo, a melhor tecnologia é entrar na máquina do tempo. Ela existe sim. Basta apertar o botão que desliga o celular e voltar à época da conversa olho no olho, do apreciar a paisagem e da leitura solitária de um livro.