A democracia dos furacões

Nos tempos da faculdade o professor disse que os furacões tinham nome de mulher. A explicação cretina é que as mulheres chegam de mansinho, desarrumam a vida do indivíduo e vão-se embora levando tudo. Com justa indignação das mulheres, os furacões passaram alternar-se com nome masculino.

Consequência dos maus tratos que o homem vem dando à mãe terra os furacões estão cada mais presentes; suas ações estão sendo mostradas ao vivo pela televisão. Agora vêm em bando como mostra esta foto dos Estados Unidos.

Quero debater com você a democracia do furacão. Há poucos esses três furacões simultaneamente atingiram os Estados Unidos. Apenas um deles, o Irma, desalojou seis milhões de pessoas na Califórnia. Não poupou ninguém, botou todo mundo para fora de casa. De trouxas na mão botaram o pé na estrada o policial branco e o cidadão negro, o professor e o aluno, o médico e o paciente.

Aqui no Brasil temos uma enorme desigualdade social. Escolas de primeira qualidade para os filhos dos ricos enquanto para os mais pobres as escolas públicas são feias e sujas e a quantidade de professores é insuficiente para suprir todos os horários; condomínios cercados e carros blindados protegem as classes A e B enquanto C e D se arriscam nas ruas e se espremem nos ônibus a caminho do trabalho; O Mapa da Violência de 2014 mostrou que cerca de 30 mil jovens de 15 a 29 anos são assassinados por ano no Brasil, e 77% são negros ou pardos. Leio isso como massacre aos jovens negros.

Apesar de todas nossas mazelas e desigualdades ainda não aprendemos a nos revoltar para tirarmos o sossego do político corrupto, do bandido que desfila com um fuzil desafiando toda a sociedade ou do magistrado que almoça e janta no Palácio do Planalto com os políticos que ele irá julgar. Aceitamos essas disparidades e convivemos com elas na mais serena brisa.

Neste momento o Congresso Nacional está debruçado sobre como a população financiará a carreira política dos senadores e deputados. Duas coisas impressionam: 1. em nenhum lugar deste país existe sequer uma placa pedindo reforma política. Nós eleitores estamos na iminência de pagarmos essa conta e aceitarmos a convivência harmoniosa com esses garbosos políticos circulando entre nós; e 2. qualquer cidadão quando escolhe uma profissão recorre à família ou aos bancos para financiar seu projeto de vida.

Enquanto aceitamos pacificamente essa convivência, enquanto não nos indignamos para mudarmos nossa disposição em relação às desigualdades sociais, a televisão anuncia que o furacão Maria se aproxima do Caribe.

Em Brasília o tempo está calmo para os políticos que governam de costas para o povo, que usam argumentos rasos para aprovarem leis em benefício próprio, como o Fundo Partidário. Sabem que não serão importunados por nenhuma intempérie vinda dos eleitores.

Não sei quais estragos os políticos do Caribe causam à sociedade, mas sei que os caribenhos estão preocupados porque lá vem Maria fazendo a democracia dos furacões.