Crônica de um Domingo de manhã

A morte do jornalista Marcelo Rezende foi anunciada a tarde, a Imprensa brasileira divulgou maciçamente, pessoas compartilharam em redes sociais, políticos corruptos agradeceram a oportunidade do desvio do foco, “Lava jato” seria esquecida no momento, ônibus para São Paulo não tinha mais passagem, “Corta pra Mim” disse o bêbado afirmando que era parente do Jornalista, eu e minha mulher pedimos que ele descansasse em paz, pois beberíamos á sua alma. A vizinha que fica com sua cadeira em baixo do poste noticiando quem chega, a que horas e quem sai, não nos viu chegando ébrios ao romper da madrugada. Mas com seu jeito peculiar de cuidar das coisas alheias bateu no portão antes das sete da manhã, domingo, fodido de ressaca sendo acordado com aquelas batidas insistentes, “Só pode ser Testemunhas de Jeová” pensei apertando o travesseiro contra o ouvido. As batidas teimavam no mesmo ritmo, o cachorro latiu nos fundos ampliando o desconforto na minha cabeça inchada pelo álcool, minha mulher estava acordada, mas fingia estar dormindo. Conheço seu ressonar quando teatraliza o sono, as batidas martelavam dolorasamente. Lembrei-me que meu pai não estava bem na noite anterior, minha mãe ligara no meio do meu porre, dizendo que suas reclamações estavam fora de controle, qualquer um que chegasse para visitá-lo, ouviria todas as queixas para em seguida dizer um oi. Iniciava com a falta de sono e apetite, “Não durmo há dez noites e nem me lembro de mais a ultima vez que comi!” seguia em direção aos ossos da mão, “Minha mão está perdendo a sensibilidade, meus cotovelos estão mais pontudos que de costume, não sei até quando vou suportar esta anomalia, não quero virar um monstro!” dependendo da resposta da visita continuava a peleja, “Acho que sou o ser mais desgraçado do mundo, tanto fiz pelos outros quando tinha forças hoje me sinto abandonado, devo morrer para livrar-me de tanto sofrimento!”. Resolvi então me levantar, o celular estava desligado, noticia ruim não tem hora para chegar. Abri o portão assustado sem perguntar quem seria, talvez tenha corrido risco, domingo a rua era deserta e exigia prudência, Seu Veridiano do “Quinhentos e vinte cinco” dono da Loja de Aviamentos fizera o mesmo que eu, molhava as plantas quando bateram no portão poucos minutos depois das sete da manhã, ao abrir, um bandido com mascara de Mister M apontou-lhe a arma e invadiu a casa, roubara um relógio, trezentos reais em dinheiro e dois quilos de peixe que estava temperado para o almoço. No meu caso era a vizinha, estava pálida querendo falar com a minha esposa, “Se for alguma coisa com o meu pai pode me dizer!” perguntei já me preparando para ouvir o pior, felizmente não era com ele, aliás, ela nem sabia quem era o meu pai. Mas não deixava de ser preocupante, fiz com que ela entrasse, mas antes tentei arrancar-lhe a verdade, “Minha sogra morreu?” perguntei sutilmente. “Não, falei com ela ontem antes de dormir, se tiver morrido foi durante o sono!” “Meu sogro, algum dos cunhados, acidente de carro, moto, bala perdida!” Indaguei de olho na boca seca da mulher que parecia tremula. “Não estou sabendo de nada!” Minha mulher surgia amarrando os cabelos e esfregando os olhos arregalados. Assim era seu jeito de se preparar para noticias ruins, sua boca não dizia nada apenas encarava com as interrogações telepáticas. Dentro de mim habitava algo sombrio regado pela curiosidade, refazia minha lista de possíveis infortúnios, mas não tinha coragem de perguntar para não aumentar o desespero nos olhos da minha esposa. Seis horas e cinquenta três minutos, meu cachorro latiu farejando o buraco do portão, corri para virar a chave antes que o visitante indesejado do seu Veridiano chegasse para o café. Alguém havia lançado um panfleto por baixo, promoções de água mineral da marca que tomo, “Adoro o gosto de água da chuva” pensei despretensioso, havia também gás de cozinha com desconto e um vidro de detergente como brinde. O numero de telefone era semelhança ao celular que já tive, se invertesse a ordem seria exato, a cabeça doía, lembrava pouco do acontecido na noite anterior, a certeza era de que havia exagerado na saudação ao cadáver do Jornalista, me arrependia novamente dizendo que não beberia nunca mais, mas sabia que o nunca mais iria até quarta no Maximo e assim seguia a vida. Quando voltei à sala minha mulher com feições restabelecidas ouvia displicente a vizinha informar pesarosamente que aquele repórter que faz o programa policial a tarde havia morrido.