A CARTILHA DO MEDO

Vinte metros. Esse é o limite. Distância menor do que essa, entre você e o suspeito, já põe em risco a sua segurança nas ruas. Principalmente se, desconfiado, você passa para o outro lado da via pública e o suspeito faz a mesma coisa. Aí, já é sinal vermelho. Hora de correr, gritar socorro ou embarafustar imediatamente em algum buraco de minhoca que o leve para outra dimensão.

Esta é uma das recomendações contidas numa cartilha de segurança pessoal distribuída em reuniões de condomínio e por meio virtual aos sobreviventes do caos urbano. São centenas de “dicas” espremidas num calhamaço de cinquenta páginas, simulando situações de perigo nas ruas, nos elevadores, nos carros, nas lojas, nos bancos, nos estacionamentos e, até, na nossa casa. Ou seja, nos tempos atuais nenhum lugar é seguro. Nem o banheiro. Basta relembrar os ladrões de privada da Vila Olímpica.

E quem é esse suspeito? Como você o identifica se ele não estiver de arma em punho? Pelas mãos (“geralmente escondidas no bolso”) e pelo olhar (“observe os olhos e saberá se há ou não intenção ruim”). Ou seja, a uma distância de vinte metros a possível vítima terá de interpretar, instantaneamente, a intenção do outro transeunte porque “os olhos são a janela da alma”.

A mesma coisa no elevador. Abriu a porta, você faz uma varredura ocular instantânea nos passageiros e, desconfiando de alguém, dá uma desculpa qualquer e espera a próxima viagem. Se o “suspeito” entrar quando você já estiver lá dentro, dê também uma desculpa esfarrapada e imediatamente caia fora.

Tem mais: não carregue nada visível. Relógio, celular, carteira, joia, cartão, nada. Em resumo: se não fosse pelo atentado ao pudor, o mais apropriado seria sair de casa nu, como Adão e Eva. Ir e voltar a pé. Sem lenço e sem documento.

Pedir informações no cruzamento também pode ser uma cilada, um meio de quebrar a barreira dos vinte metros. Assim, gestos cotidianos de amor ao próximo tornam-se raros porque o próximo vai ficando cada vez mais distante. Nesse clima, até uma simples ida à padaria pode ser reveladora. Se você observar que a velhinha à sua frente atravessou a rua com a sua aproximação, não tenha dúvida: você é o suspeito.

É claro que essa cartilha foi lançada com a melhor das intenções e seus organizadores merecem o nosso reconhecimento. Mas, por outro lado, ela atesta o descaso - se não a falência mesmo - do Estado como provedor oficial de segurança aos cidadãos que, para isso, pagam pesados tributos. Como se não bastasse o colapso nas áreas do transporte, saúde e educação, cada brasileiro, que ganha o pão com o suor do seu rosto, tem ainda de memorizar e seguir um complexo manual de guerra se quiser ter alguma chance de ver a luz do sol nascer todas as manhãs.

Isso tudo acontecendo e eles lá na Praça dando “milho” aos pombos, não é Zé Geraldo?

A propósito, só um desses pombos, bem gordinho, tinha 51 milhões no papo.

Pereirinha
Enviado por Pereirinha em 25/09/2017
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