O encanto das palavras

     Década de 70, Elton John já cantava Your Song. “I hope you don't mind that I put down in words”, “espero que não se importe que eu me expresse em palavras”. A menina, recém-nascida, já gostava daquela canção, mas ninguém imaginou que ela sempre iria gostar de se expressar por palavras.

     Nascia uma pisciana, carregando o DNA da fantasia e do sonho em cada cromossomo. Desde cedo pegou essa mania incurável de brincar com as letras, acreditou na magia de juntar pedacinhos solitários, encantou-se com a escrita. Descia as ruas poeirentas do sertão embalada por sons inesquecíveis. Boneca de sagubo de milho, joelhos arregaçados nas correrias da praça da feira, livro carregado na capanga de pano... e canções seguindo as andanças.

     Um dia, sentada na porta do bar do pai, escutou Dire Straits cantar “Brothers in Arms”; o mundo pareceu estar suspenso nas guitarras dos irmãos Knopfler, o calor do sertão recebeu arejo, o som inebriava todos os sentidos. A menina, soube ali, com uma tristeza emprestada da canção, que o ser humano já carregava há muito tempo uma infeliz capacidade de maltratar seu semelhante, que guerras já sacrificavam crianças, mas, também, se alegrou, soube da existência daqueles que não desertam - creu, assim, novamente, na bondade humana.

      Levantou, olhou para o pai atrás do balcão, rádio em cima da geladeira, dose de amargo de umburana para o freguês e Mark ainda cantava. Mundos tão distantes, tão diferentes, um mesmo mundo...

      2017, 14 de março, dia de Glauber, de Castro Alves, dia dela - a mulher senta e digita no computador. A canção instrumental soa no fone de ouvido, os meninos do 2Cellos emprestam juventude à “Hurt” do Johnny Cash; os ouvidos agradecem o afago, nenhum sofrimento a atormenta, mas seus dedos necessitam dessa melancólica inspiração para continuar sonhando com palavras que viram histórias.

     O cabelo branco mostra o tempo passando embalado, a fantasia ainda vê a menina correndo embalada na praça de terra... as horas não param e tudo vira causo na mente de quem nunca desiste de sonhar.
Wal Bittencourt
Enviado por Wal Bittencourt em 23/09/2017
Reeditado em 23/09/2017
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