Amor Próprio

Eu queria estar ao menos em seus sonhos-pesadelos. Estar em um rabisco, um rascunho desprezível de algo ruim. Queria estar no seu eterno retorno de voltar para mim. Vejo flores de morte, lúgubres olhares de pena, de suplícios universais. Queria você vestindo transparente na minha cama, olhando-me com seu olhar de buraco negro, de deusa sem deus. Quanta concupiscência dentro da consciência, você como anja pagã, profanamente introduzida na minha vida sem graça, onde um cigarro inicia e termina o dia, onde perco sempre para mais a conta das gotas do remédio.

Por que parou aqui? Foi me parasitando enquanto eu acreditava em simbiose. Nem sei mais o que escrevo, errei a dose da bebida também, e o mundo segue a rodar indiferente as dores que nem existem, devaneios de cores da sua pele, de seu quadril estreito, seu cabelo longo que eu mordia e sua preferência sexual, tudo em um emaranhado de fatos fantasiosos.

Os pássaros não cantam mais, aliais nunca cantaram, acho que os pássaros de minha vida são mudos, espalhei espantalhos pela minha alma. Acabo de ver um disco voador, um trem futurista, uma mulher me olha pela janela do apartamento ao lado, e você já quase não existe, se existe não te vejo, mas ainda sei que estas em mim, pois o gosto da morte ainda perdura em minha língua, e só o amor mata dessa forma.

Acho que falei demais e as paredes mataram meus pássaros mudos, aprisionaram o que voava em mim, mataram o amor que me matou. Tenho uma pá, sangue e terra no vão das unhas, uma linha de suor corta meu rosto, devo terminar por aqui, não posso me esquecer de ler a bula do remédio da próxima vez. Acho que te amo, mas amanhã já não sei.

Rodrigo Sanchez
Enviado por Rodrigo Sanchez em 19/09/2017
Reeditado em 19/09/2017
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