O triunfo do café

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O triunfo do café - Henrique de Albuquerque

No topo de uma serra, em uma pequena cidade no interior da Paraíba, há 1200 habitantes, uma igreja, um cachorro, uma venda, uma praça... Note que também existe uma casinha em forma de L, localizada em um dos extremos(os quais não são tão distantes assim um do outro). Cercada por árvores de todos os tipos, a atmosfera é de silêncio.

Paredes azul bebê(que em sua origem eram vibrantes, 15 anos atrás...) parecem conosco conversar. O piso é forrado por placas de madeira não-mais-tão-lustrosas, as quais são firmemente assentadas por pregos grossos. Arejada e bem mobiliada, há uma cozinha rústica centrada por uma mesa de maçaranduba quase que ancestral. Na casa, o sol é sempre hóspede: quando as entradas se fecham, os raios se esgueiram pelas frestas das telhas. Há também uma sacada com uma velha cadeira de balanço, e logo após, apenas um precipício de aproximadamente 300 metros. É nessa casa meu recinto.

Me levanto da cadeira e, ainda um pouco sonolento, alcanço a sacada. São cerca de quatro horas de uma tarde preguiçosa de domingo, o vento adjunto ao odor da cana fresca recém cortada da fazenda no horizonte afaga minha pele. Observo o azulado do céu sobre o verde opulento da serra(que ao fundo vai tornando-se cinza) pouco-a-pouco minguando, sendo substituído vagarosamente por um laranja escasso, perdido entre uma nuvem ou outra. Invade-me, de repente, o odor do café – um velho porto seguro, e me levo a caçar a origem da causa que me consolida emoções; agarro empolgado o recipiente recém preparado pela antiga companheira e ao retornar à cadeira me espanto:

-Não é esse o meu café.

Para um estranho, o café daquela tarde pareceria um café comum, assim como aquele café de sempre: cor, cheiro e sabor; mas não era o meu café. Não era o café que experimentei ao debruçar-me noites sobre os livros de Criminologia, não era o café que tomei ao acordar todas as manhãs para trabalhar na loja de tecidos em minha juventude, não, não era aquele café. A opaca xícara fumegante de alça frágil que ali me encarava não me recordava o robusto caneco espesso que sempre me resguardava do golpe impotente da causalidade: sem café, sem trabalho, sem rendimento, sem altivez; definitivamente não era o meu café.

Esse café de xícara que comigo digladiava representava o espojo, a preguiça, a tranquilidade. Era um café o qual não estava acostumado: pela primeira vez vi o motivo pelo qual tal foi criado. Era um café livre da pressão do cotidiano, era o verdadeiro e puro da espécie. Representava a tranquilidade que não sempre sonhei. Era a liberdade de verdade aquilo que eu achava? Seria o ócio realmente tudo que eu esperava?

De forma ousada, o líquido parecia zombar-me ao passo que se contorcia, como que se resmungasse violentamente comigo:

-MALDITO, NUNCA EXPERIMENTASTES DA LIBERDADE, TENTE-ME.

-E como posso simplesmente aceitar que tudo que antes a mim prostraste foi ilusão ora, veja bem -pretendo o adoçar com o açúcar da mesma cana que liberou o aroma que pouco antes senti, pouco antes de tu me relembrar que existe! Não percebes? Tu tentas me iludir com o passado, mas veja que teu amargor será camuflado, minguado, mascarado. Sim, o adoçarei com louvor e saborearei cada gota, lentamente, experimentando, por fim, da tua não mais tão amarga perversidade, me enganaste e agora me confortas, louco!

- Degluto o líquido e a escuridão que recai sobre minha sacada.

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