Do Amor Idealizado

Quanto tempo nós perdemos idealizando o amor? Anos a fio vão embora, porque a gente simplesmente não se permite, não se abre ao acaso, não olha os outros com os olhos da alma. Tudo porque ele não é alto o suficiente, ela não é tão magra, ele poderia usar barba, ela poderia engordar um pouquinho, ele deveria ser “assim”, ela deveria ser “assado”, e então, nos perdemos em uma busca incessante por algo que talvez nunca encontremos, porque, talvez, a pessoa certa não esteja nos padrões que estabelecemos, de maneira quase infantil, em nossa mente.

Da mesma forma que é uma tremenda falta de educação com o outro, o ato de rejeitar um presente, é um baita desacato com Deus, quando rejeitamos alguém pelo simples fato de não ter a aparência exata, cravada, sem pôr ou tirar um fio de cabelo do lugar, como gostaríamos. É um baita desacato, porque nós descartamos o outro logo de cara, e nunca fazemos as duas coisas mais fundamentais para manter algo que dure: a análise de quem o outro é, a prova da sua essência ao adentrar em seu universo único, a maneira como este indivíduo singular te conduz ao seu mundo, te apresenta às pessoas, pega nas suas mãos, ou simplesmente te faz um carinho, um cafuné… O tipo de coisa que parece ser boba, por ser tão pequena, mas que, sem que a gente perceba, tece uma teia forte, capaz de ser abrigo, cama, elo de ligação, e casa. Para dois. As pequenas coisas, se tornam uma construção forte, um lugar para voltar o tempo todo, aconchegante, único… O fatídico lugar que, na verdade, é construído a dois para não sair, mesmo.

Ouvi recentemente uma música da banda "Falamansa", que dizia “chega perto do meu peito, que o nosso defeito é procurar defeito demais”, e, em meio à uma catarse mental causada por esta bendita música, acabei ficando com vontade de dedicar este trecho a alguém. Porque é assim mesmo, não é? A gente nega ao outro, o aconchego do peito. A gente nega, foge, ignora, e depois reclama estar só. O nosso defeito, é realmente procurar defeito demais no outro, como se caçasse “pelo em ovo”. Porque ela é ótima, mas tem um gosto musical duvidoso. Ele é um doce, mas esquece de mandar mensagem dizendo “bom dia”, pela manhã. Sabe, essas besteiras podem acabar virando motivo de descontração no relacionamento, porque todos nós temos manias estranhas, e que chatice entediante, a que envolve os relacionamentos que são tão sérios, que não permitem que se ria um do outro! Pois, meu bem, bom humor é fundamental pra gente não perder o rebolado de vez em quando. Um relacionamento que não tem bom humor, está, na verdade, fadado ao fracasso. Sabe, chamar o relacionamento de sério, é redundância pleonástica, uma vez que a seriedade é característica definitiva do relacionar-se com o outro. Agora, manter ou não o bom humor, vai da sabedoria de cada um.

Pessoas perfeitas não existem, meu bem. Elas não passam de um mito entediante, criado para confundir o ser humano e ser pedra no sapato do amor. Porque, cá pra nós, nada mais bonito do que duas pessoas completamente imperfeitas se ajeitando. E daí que ele não tem barriga trincada? Qual é o problema de faltar ou ter um pouquinho a mais, uma coisinha aqui e outra ali? Você não é perfeito, pare de exigir que o outro seja impecável. Obviamente, cada um tem as suas preferências, coisas no outro que lhe atraem, e isso é normal. Mas a idealização exacerbada, é coisa de gente que gosta de sofrer de solidão. E, só para constar e servir de aviso: Quando o amor pega a gente de jeito, não há idealização exacerbada que resista à sua força.

Amor é essência, porque a aparência pode ser lavável. A aparência uma hora vai embora, porque o tempo não perdoa. Mas quem aprendeu a amar os olhos do outro, nunca vai se perder. Amor fala de trato, de abraço bem dado, de carinho de dedo, de colo disponível, compreensão, companheirismo, aceitação, acordos celebrados sobre com qual família será a Páscoa ou o Natal. Amor é feito de vísceras, essência, dar de mãos, rir do mundo e das coisas bobas que a gente faz, aguentar as barras dessa vida, juntos. Amor é o caráter fixo da permanência, e isto, de nada tem a ver com a aparência e o seu caráter mutável e evolutivo. Amor idealizado é coisa de principiante, que ainda não aprendeu que o amor toma a forma que quiser, e pega a gente da forma que quiser, no dia em que bem entender.

Débora Cervelatti Oliveira
Enviado por Débora Cervelatti Oliveira em 12/08/2017
Código do texto: T6081612
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.