E eu que não tenho religião

Introdução ao texto

A religiosidade do bairro Copacabana é algo que está impresso em seu (DNA). Desde o início, era a partir dos movimentos religiosos que o bairro mobilizado, acontecia socialmente. Os adultos em cooperação e os jovens organizados em grupos moviam mundos e fundos, produzindo incontáveis momentos (memoráveis) de participação social e colaboração coletiva que culminaram em muitas das conquistas que ostentamos hoje em dia. Além, é claro, da enorme gama de feitos culturais e lembranças que até hoje comove muitos dos que nessa época viveram; nossos pais, avós, etc.

É interessante perceber o quanto o bairro se diversificou religiosamente com a chegada de novos moradores e também, com o nascimento dos filhos dos filhos destes antigos moradores. É importante que respeitemos a diversidade religiosa existente na atualidade e que dialoguemos com as várias crenças hoje instituídas e consolidadas na comunidade, fazendo votos que novas tradições religiosas se apresentem e se constituam enquanto pertença do nosso povo, acrescentando e enriquecendo ainda mais a nossa história, já tão rica, mas ainda pouco explorada.

Nesse sentido, o relato que se segue, em forma de uma "crônica poética", tenta ilustrar um desses momentos de participação religiosa capaz de mobilizar um coletivo de pessoas, culminando na produção de história acerca do povo que produziu tal movimento, fazendo reviver todo um imaginário do passado e eclodir novamente todas aquelas memórias afetivas armazenadas no âmago dos corpos de quem as (re) experiencia.

SOBRE UM RITO CATÓLICO MUITO COMUM NO BAIRRO COPACABANA EM ÉPOCAS ESPECÍFICAS DO PASSADO E REVIVIDO RECENTEMENTE: - A PROCISSÃO.

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E eu que não tenho religião

[J.W.Papa]

[...] Parei para observar a procissão que tomou conta de minha rua ontem e por todos os lados que olhava, via pessoas com velas acesas às mãos cantando uma canção em tom de ladainha, capaz de inquietar qualquer um. Repetiam sempre com muito entusiasmo um refrão melodioso, acompanhado sempre pelo som de um violão extremamente afinado seguiam rua acima, passo a passo, verso a verso incessantemente.

Feito quando era criança, fui transportado à varanda de minha casa e convidado a ser expectador daquele evento. Maravilhado em ver tanta gente agindo em cooperação, tive a sensação de estar novamente em comunidade. Com o movimento de tanta gente junta todas as casas do entorno, postes de luz, asfalto e concreto sumiram. Tudo parecia como antes, intocado!

O mato alto nos lotes vagos, o caminho escuro de terra vermelha e argila cintilante, o barro na sola dos sapatos dos adultos, o vento, as minas d'água por todo o percurso, os sapos coaxando, os vaga-lumes brilhando no céu à frente de todos, o cri-cri-cri... Dos muitos grilos existentes, o cheiro de Dama da Noite, o incômodo do pinga-pinga da parafina das velas derretendo e queimando os dedos, o medo à véspera da sexta-feira da paixão. E até mesmo o velho campinho onde aconteciam as barraquinhas e feiras do bairro estava lá. Tudo parecia exatamente como antes.

Quis seguir o cortejo e cantar com eles suas cantigas celebrando a alegria de estar em comunidade novamente, por alguns instantes esqueci, inclusive, que eu não era católico e que havia optado há muito tempo atrás por não ter mais religião, optado por ser sem religião. E devido a essa minha decisão anterior, não conseguia compreender aquela minha aflição emotiva; não fazia muito sentido eu estar tão tocado com tal acontecimento. Talvez fosse isso... Não era um simples evento casual, era um acontecimento, como antes!

Os meus olhos marejaram de ver, de ouvir, de sentir tanta energia positiva em trânsito. E mesmo quando passou pela rua o último integrante do cortejo e sumiu na curva dos olhos após virar a esquina da rua de cima, seguindo em direção à rua de baixo, no rumo da capela da única praça do bairro, ainda era possível ouvir os passos da multidão e o clamor da ladainha efusiva ecoando pelo ambiente e atingindo, aguda, os canais auriculares das pessoas, nas muitas residências hoje existentes. Quando tudo acabou... A vontade era de chorar. Mas sentia-me bem demais para tal.

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Relato biográfico

Sou Júnio William dos Santos, nascido na periferia de Belo Horizonte e Copacabanense desde pequenininho. Já me chamaram de bairrista, mas não ligo, sou mesmo! Ainda mais, por ter crescido experienciando esse contexto de diversidade cultural, religiosa e de lutas (múltiplas), o que me tornou inquieto e necessitado de estar sempre em trânsito. Assim como descrito no livro de Danièle Hervieu-Léger, “O Peregrino e o Convertido: A religião em movimento” enquadra-me ou identifica-me um contexto “Peregrino”. E em pleno usufruto do “selfie-religioso”, revisito (minhas) diversas experiências religiosas a todo o tempo, tentando vislumbrar a possibilidade de diálogo com a diversidade, tentando construir ou (re) construir a minha espiritualidade perdida ou corrompida, sei lá! Sou um “desinstitucionalizado” como diria a autora, e ainda rebelde e utópico, que busca respostas com o trem ainda em movimento. Um dia desses atrás, me perguntaram se eu tinha religião, se eu era uma pessoa religiosa... Disse que religião não tinha, mas que havia em mim uma espiritualidade latente, aberta para novas experiências de fé e com forte inclinação para o diálogo, principalmente com o diferente.

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Dados para contato:

Nome: Júnio William dos Santos

Pseudônimo: <JWPapa> ou <Bahr Buddin>

E-mail: poetajwpapa@gmail.com

Facebook: @PoetaJWPapa

Twitter: @bravopoeta