Ensaio Sobre o Existir - I

Existir. O verbo com mais força que há; mas ele tem tendência a ser esquecido em seus nuances de grandiosos significados.

Exista. Teu imperativo é uma sentença ao que vem depois. Ordenas um qualquer ao tudo, sem perguntas ou maiores explicações. Pode te ser um fardo, uma alegria sem fim. Não me preocupo com o tudo; o que me choca é reconhecer que todos estes que me rodeiam são originários de uma exigência egoísta.

Existo. Esse sussurro a mim mesma serve como uma segunda pena; eu existo. Tal fato pressupõe demasiadas coisas sobre mim. Existo, portanto preciso ser isso e aquilo, preciso agir de tal forma. Existo, portanto terei um fim. Essa única palavra, à medida que me sentencia a variadas coisas das quais nunca fui perguntada sobre, também é a mesma que sufoca tudo o que de fato gostaria de me tornar. Há algo além do meu mero existir.

Existência. Até teu substantivo é plurissignificativo. Não há palavra mais superestimada que essa. Não há quem se conforme quando ouve falar que um alguém ousou pôr fim à gloriosa existência. Superestimam-na, quando, na verdade, quem a desprezou não cumpriu mais do que a vontade própria, que lhe foi roubada no "Exista!". Nunca foram perguntados; apenas houveram de ter sido soltos. Esse substantivo pertence unicamente a eles, a nós próprios. Abandone o pensamento inconsciente de que a existência é o tudo. Ela é apenas a sentença; o que executa o tudo. Ela é manipuladora, cruel, dolorosa em sua essência. Agora vos digo o porquê;

Há os instantes tão tristes que parecem impossíveis de serem acabados. Tudo é dor, até nos sorrisos há algo que ordene que tu pares; não és digno daquilo.

A existência não é somente dolorosa nesses dias, ela é também injusta. Nunca houve um clamor teu ou meu que pedisse por ela. Mesmo assim, ela reside em ti e em mim.

Além de injusta, ela é má. Eu, nem tu, damo-nos conta da sua presença nos dias alegres, quando o riso nos é frouxo, com a mente ocupada demais em agarrar a felicidade antes que ela escape. Nos dias contrários a esses, onde somente há as dores, a existência existe. Os pesares não nos mantêm ocupados de nós mesmos, deixam livres para que a existência aja, transformando nosso pensar em uma poderosa arma autodestrutiva.

O fato é que são principalmente nesses dias tristes que tu e eu encaramos a existência, e ela nos encara. Olha-nos como quem acaba de completar um ciclo; “Minha filha, eu não tenho de ser teu desejo concretizado; sou ordinária, mal penso no que faço; sou também enganosa, delicio-me ao vê-los perdidos em seus próprios sentidos; adoro ver como o riso os entorpece, ao ponto de esquecerem que o motivo dele é porque existem.

Eu venho mostrar-me na forma mais natural nas horas como essas, das dores, quando a existência de ti te é um fardo. Eu nunca me desgrudei de tu; sempre estivemos juntas em uma única entidade. Teu deus inventado, teu amigo esquecido. Porém, só te recordas de mim quando pensas em matar-me. Por isso mesmo sou tão dolorosa; ainda mais nas dores.”

Inconveniente. Isso que ela nos é. Desde do seu imperativo, quando nos foi gritado a ordem, que obedecemos com olhar submisso. Até nos dias felizes, quando ela própria se preocupa em fazer-nos esquecer que o motivo da alegria é porque existimos. Terminando na dor, onde ela nos é fatal e só nos resta culpa-la, afinal, é nela que habita toda a autoria do tudo.

Superestimada por tradição; a existência nos impõe sua ditadura, enquanto isso, a reveneramos sem pensar.