FLIP 2017- Uma experiência sui generis

Uma amiga de trabalho , cuja área é de Língua Portuguesa, me falou da FLIP.

Inicialmente , sem saber do que se tratava, confesso que me senti meio que ignorante, e pacientemente então, ela me explicou que era um evento literário internacional, e acontecia anualmente em Paraty, com um escritor sendo homenageado, e o deste ano seria Lima Barreto. Puxa vida, que vacilo meu. Com pretensão de ser uma escritora, como é que eu não tinha ouvido falar? Quando me convidou para irmos a Paraty, achei a idéia maravilhosa, seria a realização de um sonho (dela), que imediatamente passou a ser o meu também.

Enredamos nesta idéia, e começamos com os preparativos: passagens de ônibus compradas, casa alugada, horários estabelecidos, convite aos maridos, que prontamente embarcaram na idéia, enfim, todo esse planejamento era necessário, pois a viagem seria longa. Uma viagem que provavelmente nos transformariam, logo, as nossas expectativas estavam bem altas.

Como Lima Barreto seria o homenageado, foram necessárias algumas leituras e pesquisas antecipadas sobre biografia, obras e sua contribuição à cultura brasileira. As informações referentes aos homenageados anteriores a esta edição, contribuíram para que surgisse uma ponta de tristeza, por não ter participado delas.

Racismo e preconceito seriam os temas da pauta, convidando-nos a todo instante viajar ao passado, com os pés no presente vislumbrando um futuro com mais igualdade.

Quando chegou o grande dia nem precisava dizer que estávamos eufóricas, ansiosas e muito felizes, viajamos no tempo pela Estrada Real, vislumbramos a Mata Atlântica, os Alambiques e percorremos incansavelmente o Caminho do Ouro.

Já instalados em nossa nova casa confortável e linda, o cansaço da viagem não nos impediu de conhecermos imediatamente o Centro Histórico de Paraty. O que nos lembrou uma cidade vizinha a nossa Joinville, São Francisco de Sul-SC, bem como a cidade de Ouro Preto e Tiradentes - MG.

A primeira visita a cidade colonial foi a uma Igreja de arquitetura maravilhosa, Igreja de Santa Rita, carregada de influência religiosa, infelizmente não conseguimos conhecer a Igreja Matriz, templo católico em que cedeu espaço para a abertura, para as mesas literárias e encerramento. Este momento de gratidão causou-nos uma imensa felicidade, por estarmos ali, realizando um sonho juntas.

O calçamento “pé - de - moleque”, com pedras arredondadas e disformes davam às ruas um charme todo especial à cidade histórica, descobrimos que foram construídas pelos escravos.

O colorido das fachadas dos sobrados de desenhos geométricos em relevo, cujas enormes janelas de madeira nos presenteiam com seu charme, assim como suas portas estreitas, com altos degraus, conferia a beleza estética na identificação das ruas com suas plaquinhas em madeiras decoradas e antigas.

Na calçada as mesas à espera das pessoas, ofereciam suas cadeiras para saborear uma bebida quente ou gelada, conferindo um toque especial ao bate papo das famílias que apreciavam a exuberância de cultura que pairava no ar.

Vez ou outra a charrete passava com seus cavalos trotando nas pedras salientes, levando consigo olhos ávidos e curiosos.

Os aplausos dado ao grupo indígena Guarani que entoava pela rua o seu canto, embalado pelos instrumentos musicais, nos pegou de surpresa, paramos extasiados e aplaudimos.

O que dizer do cortejo literário? Foi uma agradável experiência caminhar pelas ruas, acompanhando o cortejo que seduzia, cantarolando ao som da viola, canções de vários estilos.

E lá estava ela, imponente que só, a Igreja Matriz, embelezando a praça lotada de pessoas de todo canto do Brasil, com suas pronuncias curiosas e vestes excêntricas.

Livrarias? Entramos em duas apinhadas com todo tipo de literatura e população sedenta de ler e saber.

Nas mesas literárias, cercados de grande público, os palestrantes defendiam num tom afetivo e esperançoso, suas idéias e pontos de vista.

E eis que, levantou-se da platéia a professora Diva, de cabelos brancos e olhos marejados, a voz embargada, porém firme, expondo pensamentos e experiências, esconjurando o racismo aprisionado por anos em sua garganta.

E ela “divou” em sua explanação, tão surpreendente quanto realista, arrancando lágrimas do público que a ouvia respeitosamente. Esta foi, sem dúvida, a culminância de toda festa. Recomendamos acessar o Youtube para visualizar este vídeo.

Outra notável experiência nos chegou à forma de caminhão truck, a qual a tecnologia aliada a Língua Portuguesa nos remeteu a uma modernidade que sabemos que existe, porém está longe de ser a nossa realidade, nos deleitamos gravando um vídeo declamando poesias que será publicado no canal Youtube da EDP e testando os conhecimentos em Língua Portuguesa ganhando como recompensa, o melhor dos presentes: um livro.

A natureza de Paraty surpreendeu quando presenciamos as árvores transformando-se em pés de livros principalmente para o público infantil. Numa programação paralela o SESC aproveitou-se se dela, expondo obras de arte em cerâmica, bandas musicais, rodas de conversa, exposição encaixe, gastronomia, sessões de cinema e de teatro, para todos os gostos, um inesquecível incentivo à leitura, alfabetização e cultura.

Conhecemos um típico escritor e poeta de cordel, Paulo Marcos Cavalcante, que se denomina um andarilho nordestino em busca de cultura e orgulhoso de sua intervenção poética, o qual nos contou sua historia divulgando sua obra.

Ficaram gravadas no coração as lembranças da praia do Pontal com seus barcos ancorados, dos encontros e bate papos sobre a ponte que serviu de ponto de encontro de amigos, da feira de artesanato caiçara, e das mesas literárias situadas em locais estratégicos, isso tudo agregou-nos um valor inestimável.

A vida noturna de Paraty fascina, convidando-nos aos seus pubs, pulsando e movimentando a energia do local, que é quando o aroma da comida invade as ruas, dançando no balanço das músicas.

Se a nossa expectativa foi alcançada? Julgamos que foi além do que esperávamos. Retornamos transformadas, com a certeza de que esse é o caminho, é desta modalidade de evento que este país precisa, eventos que promovam cada vez mais a cultura e a educação. Acertado seria se em todo canto deste imenso Brasil houvesse mais eventos desta natureza para que seu povo se libertasse da escravidão que se encontra.

Sandra Helena Domingues