Salvo pelo celular

Eu morava sozinho e resolvi andar um pouco pela praia para me distrair e exercitar um pouco. É muito bom sentir o cheiro do mar, o vento bater em nossa pele, ver pássaros, ondas e cheiro de mar. Era bem cedo mesmo, quase ninguém nas ruas e a praia totalmente deserta de pessoas.

Andei bastante, aproveitei cada minuto de meu passeio. Porém no meio da rua ainda faltando duas quadras pra chegar no meu prédio me dá uma dor na barriga terrível e não havia nem um lugar pra eu ir ao banheiro.

O jeito era tentar chegar em casa, aperta aqui, aperta ali, entrelaço as pernas, contraio a barriga, passo as mãos na cabeça e a dor apertando. Algo tenta sair de dentro de mim e o cheiro não é agradável . Eu andando sentindo calafrios, o medo aumentando e não me segurei mais. Um barulho estranho na barriga e senti minha calça molhada e o cheiro chegou ao mesmo instante ao meu nariz.

E agora como farei para chegar em casa? Terei que passar pelo porteiro, subir quatro degraus de escadas e rezar pra não encontrar ninguém. O jeito era encarar a situação e chegar em casa.

Finalmente cheguei ao portão do prédio. Olhei desconfiado para a portaria e para meu alívio o porteiro estava distraído ao telefone e nem me viu. Aproveitei e acelerei os passos entrando. Olhei o primeiro lance de escadas e não vi ninguém e subi correndo. Agora era o segundo lance de escadas e quando subi as escadas, sai uma mulher de vestido vermelho e celular na mão, ainda bem que olhava só para o aparelho e nem me viu, mas acho que sentiu um aroma desagradável pois tampou o nariz, porém não se deu ao trabalho de olhar ao seu redor, estava hipnotizada com aquele aparelho.

Agora era só mais dois lances de escada e chegaria ao meu apartamento, comecei a subir aliviado e agora era uma criança saindo do apartamento 31 para ir a escola. Mochila nas costas e celular nas mãos. Nem piscava atenta ao celular, eu rezando para que a hipnose do celular não a deixasse me perceber. Ela ainda espirrou e se desconcentrou um pouco olhando pra frente, porém voltou pra hipnose.

Agora era só mais um lance e estaria salvo, pensei. Mas pensei errado, quando finalmente chequei a porta do meu apartamento e procurei a chave no bolso não a encontrei. Entrei em pânico, estava totalmente perdido. Todo cagado, fedendo e nem eu estava me suportando.

Pediria ajuda ao prteiro? Falaria com a síndica para me ajudar a abrir a porta? Nem celular eu tinha, saí e o deixei carregando na sala.

Não, a síndica iria me expulsar na hora e nem olharia pra mim, ela era mal humorada e qualquer coisa gritava em alto e bom som. Já pensou ela gritar que eu estava cagado e todo mundo saber?

Eu ali em frente a minha porta pensando o que fazer e começo a ouvir passos e risadas subindo as escadas. Foi quando resolvi subir mais um lance de escadas e ficar escutando pra ver se eles continuariam subindo pra eu tentar fugir daquelas pessoas e os passos e risadas continuavam a subir e eu não tinha alternativa a não ser subir fugindo. Cheguei ao último andar e as risadas e passos continuavam. Encolhi a um canto e tentei ficar invisível e o medo fez com que minha dor de barriga voltasse. Passei meus piores momentos, fiquei frio, minhas pernas bambearam. As risadas acabaram e os passos foram diminuindo, ouvia só um passo agora. Eu ali cagado humilhado a um canto esperava meu fim. Aqueles passos aproximavam do andar que eu estava.

Fechei os olhos e ouvi um barulho de chave, era um rapaz alto de cabelos pretos encaracolados com o celular nas mãos também hipnotizado. Graças ao poder de hipnose do celular fui salvo outra vez.

Desci as escadas até chegar ao meu andar e a dona Felícia minha vizinha de frente bem velhinha ía saindo. Tomei coragem e a chamei. Ela olhou e tampou o nariz, foi meu fim, ela também sentiu o cheiro.

Fiquei de longe e consegui pedir ajuda, porém ela não deixou eu usar seu banheiro, pediu pra aguardar que ela iria chamar o chaveiro pra abrir a porta.

Agora eu todo cagado teria que enfrentar o chaveiro, que vergonha. Pouco tempo depois que pra mim foi uma eternidade, chega o chaveiro e olha pra mim naquela situação difícil e diz:

-Que situação em rapaz?

Nem consegui dizer nada, a vergonha era grande e senti o sangue correr pelo meu rosto esquentando tudo.

Finalmente a porta se abriu e o chaveiro tampou o nariz e eu passei correndo pra pegar o dinheiro. Ainda todo sujo entreguei o dinheiro, fechei aporta e saí correndo para o banheiro para me livrar daquele cheiro.

Tomei banho e saí aliviado, porém não conseguia mais encarar minha vizinha e parecia que todos sabiam. Cada pessoa que eu olhava eu ouvia me chamar de cagado.

DEBORA DANTAS
Enviado por DEBORA DANTAS em 30/07/2017
Reeditado em 06/09/2018
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