EU SOU É HOMEM

Não imagino o que é ser mulher em uma sociedade patriarcal dominada por homens durante séculos. Sou mais feminista que o Dado Dolabella, e para deixar claro, nunca agredi uma mulher. Quer dizer, já o fiz verbalmente, mas nunca na forma física. Mas é que andando no ônibus outro dia percebi que também foi penoso para os homens serem homens por tantos anos.

Quando me sentei no ônibus, por um tempo relativo estive sem nenhum passageiro no assento ao meu lado. Digo tempo relativo, porque em seguida esse mesmo assento foi ocupado por outro homem que me fez sentir que o tempo sozinho foi menor ou nulo quando dividi o espaço com ele.

Logo que se sentou, ele arreganhou suas pernas, abriu seus ombros, esticou seus braços, fazendo questão de ocupar o seu espaço e invadindo uma parte do meu com toda a sua massa muscular (não vou levar em conta aqui o seu percentual de gordura, que cá entre nós, era alto). Estudiosos defenderiam isso como um movimento natural do corpo pelo fato dos músculos da coxa se abrirem para a parte de trás do tórax quando nos sentamos com as pernas abertas.

Há quem ainda justificasse que o fato de possuirmos testículos impede que nos sentamos de outro jeito, pois a pressão intensa exercida entre as pernas durante muito tempo causa desconforto e dor. Manter as pernas abertas seria a solução eficaz para manter essa região sensível sempre bem arejada.

Desprezemos todas as justificativas científicas e assumamos a série de valores imposta pela cultura machista opressora. Sentar-se com as pernas abertas é como fazer xixi em troncos de árvores e em muretas. Queremos afirmar para outros homens que o nosso espaço está demarcado pela nossa estrutura óssea, e que talvez, se uma mulher se sentar ao nosso lado baixemos um pouquinho a crista. Mas só se for uma mulher.

Falando no intuito falho de impressionar o sexo oposto, ao adotar a posição das pernas abertas, muitos homens querem fazer ressalva a sua masculinidade, pois acreditam que apenas os homossexuais cruzam as pernas ou sentam-se com as pernas fechadas, o que demonstra que são submissos e fracos, qualidades que não devem ser associadas a um homem de verdade.

Não queremos assumir nada disso, mas precisamos achar um culpado. E culpamos a quem? Sim, a vocês mulheres. Porque mais uma vez sem fundamentos, pesquisas sem fontes afirmam que sentar com as pernas abertas provocam desejo sexual e atraem mais as mulheres. Abrir a porta do carro, respeitar em casa e na rua, valorizar a mulher no trabalho e na luta pela equidade salarial, para que mesmo?

Eu sou um indivíduo que possuo certa dificuldade no trato com pessoas, mas não faço uso das pernas no ônibus para passar a mensagem antissocial de “não quero ninguém sentado ao meu lado”. Lembremos que as condições do transporte público não nos permitem fazer uso dele no tratamento de nossas questões internas que precisam sim ser acertadas em outro momento.

Se quisermos provar nossa masculinidade, podemos lutar fortemente para derrubar conceitos apropriados no Brasil do que é masculino. Desde 1975, Ney Matogrosso vem através de suas performances inovadoras, maquiagem cênica e vestuário exótico mostrando que mesmo sem tentar se definir, dá para ter uma boa ideia do que é ser cabra macho. Homem com H, terceira maior voz brasileira e trigésimo primeiro maior artista brasileiro de todos os tempos. É, e não foi abrindo as pernas.