Meu Romance Com As Letras

Meu Romance Com As Letras

Meu relacionamento com a Literatura começou quando eu ainda era bem pequeno. Posso dizer que ele teve início como uma espécie de Amor Platônico. Observava minha mãe lendo e pensava: “Como deve ser legal esse negócio de ler!”

Quando eu tinha seis anos de idade, a Literatura descobriu que eu a vinha amando platonicamente. Ouvi, pela primeira vez, em um disco de vinil pertencente à minha mãe, a voz do grande Poeta Vinicius de Morais declamando seu “Poema Do Dia Da Criação”. Foi o primeiro olhar que a Literatura e eu trocamos.

A esse olhar, muitos outros se sucederam. A pedido da escola, li inúmeros livros. Livros que, por não existirem em Braille ao meu alcance, eram lidos para mim em voz alta pela minha mãe.

Aos nove anos de idade, li Meu Pé De Laranja-Lima (de José Mauro De Vasconcelos) e tive a absoluta certeza de que a Literatura e eu seríamos companheiros eternos. Começava aí um longo namoro. Namoro que, naturalmente, haveria de conduzir-nos a um feliz matrimônio.

Muitos outros livros me marcaram ao longo da vida. Entre eles: Os Lusíadas (de Luís Vaz de Camões) – cujos versos, meu pai costumava declamar para mim quando eu era criança, Um sonho No Caroço Do Abacate (de Moacyr Skliar) – obra que me foi apresentada por um grande amigo meu quando eu ainda contava quatorze anos de idade e que marcaria toda a minha adolescência, Os Trabalhadores Do Mar (de Victor Hugo) – volume que abriu, para mim, as portas da fase adulta e Karingana Ua Karingana (de José Craveirinha) – livro comprado por meus pais no tempo em que minha família e eu residíamos em Moçambique. À medida que era lido, cada um desses livros registrava-se em meu ser como um novo laço de união e cumplicidade indissolúveis entre a Literatura e eu. E a soma desses laços tornava cada vez mais intenso o nosso relacionamento.

O casamento veio quando eu tinha dezesseis anos de idade. Foi quando escrevi o meu primeiro Poema. Chamava-se “Mulheres (A Personificação Da Perfeição)”. Era formado por trinta e dois versos agrupados em oito estrofes, cada qual com rimas em esquema ABAB. A métrica era meio desajustada. Entretanto, foi o primeiro de uma série de textos que passariam a vir à luz através de mim.

A Literatura me elegeu. Eu a escolhi.

Hoje, não mais conseguimos viver um sem o outro.

Somos um casal feliz, plenamente realizado e cheio de filhos por aí. Porque os filhos da Literatura com seus eleitos não pertencem a ela, nem a eles, mas, a toda a humanidade.

Vivemos, a Literatura e eu, um relacionamento completamente aberto. Tem ela os seus diversos eleitos, muitos deles meus amigos. Tenho eu as minhas várias paixões, algumas delas suas irmãs.

Importante, porém, é que nos respeitamos bastante e muito nos amamos.

Hebane Lucácius