NADA É TÃO APAVORANTE
 
         Eu não vivo para contar os dias. O tempo sempre foi meu inimigo. O tempo fica me avacalhando pelas esquinas das ruas entulhadas de automóveis e pelas curvas das estradas empoeiradas que me levam para rever minha infância no Córrego do Cedro.
     Mas os bois que pastam o ralo capim em tempos de secura não conseguem decifrar a minha tristeza. É vago quando ando pelas ruas de Mutum como naqueles tempos que se andava pelas ruas de Pompeia. Um Vesúvio paira sobre minha cabeça constantemente.
     O progresso chega de mãos dadas com o regresso. A crônica do dia seguinte à erupção não dá conta de descrever o horror mediante as lavas incandescentes expulsando os córregos cristalinos por causa das suas inocências em império de tantos crimes.
         Eu sou o orgulho da minha família. Mas ser o orgulho da família não dá direito à imortalidade que eu gostaria de ter e assim poder viver por quantos anos e séculos eu quisesse.
     Em cada avacalhada que o tempo me dá na esquina da Bueno Brandão com a Dr. João Luís Alves, que ninguém conhece com tal nome, eu cresço para dizer que venço apesar da fadiga que trago no meu peito no fim da tarde na Hélio Pôncio.
     A vida seca as lágrimas com seu lenço azul. Eu preciso rever meu Córrego do Cedro com seus capinzais verdes. A grota é as mãos de Deus que se fecham, formando uma cuia, para pegar água límpida no córrego enquanto terríveis vulcões nos espreitam do alto da colina.
     Nada é tão apavorante como estar feliz em Pompeia naqueles tempos de império, onde fazíamos cavalinhos-de-pau e pegávamos rachas pelas ruas de paralelepípedos com nossas bigas enquanto ser soldado era só brincadeira, e a gente fingia a tarde inteira.
     Posso atravessar o rio São Manoel de Mutum que daqui a pouco se fundirá ao José Pedro, mas não posso atravessar a história em pinguelas feitas com tronco de árvores mal amadas. O tempo tenta me dá uma rasteira. O Renato, nosso Rousseau tupiniquim, deixou-se ir parte de si. Mas a sua canção fica. A sua poesia fica. E eu que não sei assobiar e nem cantar como meu pai, vou ouvindo no pen-drive do carro enquanto busco minha infância pelos lados do Centenário como se estivesse em uma biga pelas ruas de Pompeia no seu último dia, mais uma de nossas meninas que está longe daqui.
 
DA SÉRIE: CRÔNICAS ANACRÔNICAS
 
 
Cláudio Antonio Mendes
Enviado por Cláudio Antonio Mendes em 02/07/2017
Reeditado em 02/07/2017
Código do texto: T6043966
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