O ASSASSINATO EM PLENA LUZ DO DIA

     O sujeito foi assassinado em plena luz do dia. Mas não está escrito em lugar algum que todo assassinato tem que ocorrer à noite. Mas a gente sempre pensa na melhor hora de fazer a coisa que a gente quer, ou que nos é imposto a fazer. Por exemplo, eu estou com a barba grande, muito grande para os padrões de elegância. Se bem que agora tem a onda do lenhador.
     Mas a onda do lenhador é para os jovens. Nós que já passamos dos trinta e poucos anos, ficar barbudo é coisa de petista dos anos oitenta. Eu preciso fazer a barba.
          Mas qual a melhor hora? Pela manhã é a hora de escrever crônicas, passar os rascunhos de poemas para o computador, providenciar as necessidades domésticas como comprar ervilha para por no arroz requentado.
     Então a melhor hora é à tarde? Não. Não é à tarde. À tarde eu posso estar trabalhando. À tarde tem futebol europeu nos canais da TV por assinatura. Eu pago por esses jogos, preciso assisti-los. Pela tarde estou meio sonolento. Parece que colocam soníferos no meu almoço. Não é à tarde, definitivamente. Mas como a minha manhã já se foi antes da tarde chegar, vou deixar para a manhã seguinte. Sou o sujeito mais protelador da face da terra.
     Mas pode ser à noite? Noite? Onde já se viu abrir a barbearia à noite? Nas barbearias que eu frequento ou o barbeiro é evangélico, ou o barbeiro é boêmio. À noite nem pensar. Os barbeiros não gostam de trabalhar com o sol já posto. Tem luz elétrica nas barbearias de hoje. Não tinha nos filmes de bang-bang de outrora. Se bem que Mutum teve já teve bang-bang ao vivo e a cores. Até o sangue era de verdade. Mas o cara da barbearia não quer nem saber. Vai fechar a barbearia e vai embora para sua casa. Mas também eu não vou durante a noite em barbearia nenhuma. Tem futebol na TV por assinatura do campeonato brasileiro. Ainda que seja da série B, mas tem. E se não tiver, eu tenho uma lista de filmes gravados, filmes com Angelina Julie. São imperdíveis apesar de eu perder quase todos.  
     Depois, se a gente não deixar nada para o dia seguinte, o que fazer do dia seguinte? É por isso que eu protelo. Eu sempre deixo para o dia seguinte para que o dia seguinte seja o dia de fato. É a moral que eu dou para o que ainda vem.
     Aí a manhã do dia seguinte chega. Eu acordo, sabe, com aquela preguicinha de sempre. Demoro a escovar os dentes, a pentear os poucos cabelos que ainda restam e, sobretudo, pentear a barba. Tomo café ralo com biscoitos de água e sal. Ouço alguém falar da obesidade que assola a família. Não sabemos de onde vem essas gorduras a mais. A manhã já está quase findando. Vou deixar para ir à barbearia a tarde, pois assim aproveito para ir ao banco, ao supermercado, à lotérica para pagar água e luz e se sobrar os trocados necessários, passo no homem com navalha na mão.
     Depois do almoço, o soninho de sempre. Sempre necessário senão saio meio grogue de casa. Arranho o carro. Olho para o talão de água e luz. Só vencerão depois de amanhã. Então posso adiar. Fica para amanhã. Até por que se eu for hoje à tarde, perco mais uma rodada da Champions League. Vai ficar para amanhã sim senhor.
     Mas do assassinato que aconteceu em plena luz do dia, em frente à barbearia, não sou eu o suspeito. Certamente eu teria protelado para a noite, para o dia seguinte, para semana que vem ou quem sabe para depois do ano novo.
Cláudio Antonio Mendes
Enviado por Cláudio Antonio Mendes em 01/07/2017
Código do texto: T6042675
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