A dor no braço

A dor no braço vinha de uma queda e por mais que para alma eu dissesse que o importante era o número de vezes que eu levantasse e para o corpo eu dissesse acalme esta dor, pois já te entupi de antiinflamatórios, uma dor lá no fundo inquietava meu coração e me tirava o sono. Lá pelas três horas da madrugada sai para algum hospital em busca de ajuda. No caminho a dor não me deixava distrair e só pensava em chegar sem observar os belos cenários insólitos daquela Curitiba fria. Remédios mais fortes prometiam travar uma guerra. Efeito placebo e esquecida a dor curtia a solidão daquele retorno para casa.

Era outono e ventava muito. No rádio uma música com movimentos circulares era a trilha perfeita para um filme de ficção científica. As ruas estavam praticamente vazias. Cruzava eventualmente com algum carro ou via na calçada um transeunte normalmente andando ligeiro e olhando desconfiado por baixo de um capuz que lhe fazia sombra ao rosto. Poderia ser a cena de uma Curitiba depois da hecatombe - um evento onde o ódio exacerbado tinha adoecido os corações e condenado de morte a razão, com a força de um buraco negro que não deixava nem a luz escapar. Os poucos sobreviventes procuravam não se comunicar - não queriam contaminação. Sem falar e sem ouvir e para o corpo a única expressão permitida pelo seu instinto de sobrevivência era a de que não queriam conversa e não precisavam de ajuda.

Retornei sem pressa, queria curtir aquela solidão. Uma solidão que ama filosofar. Uma filosofia que se sente atraída pela loucura, que tenta se resolver pela poesia.

Algumas folhas em redemoinho pareciam dançar a música que eu ouvia no carro. Outras pareciam correr em bloco para atravessar a rua ou será que buscavam um suicídio coletivo jogando-se debaixo do carro e acelerando o processo de virar pó, pois o viço já tinha ido e a seiva não chegava mais pelos galhos de uma árvore? Questões existenciais povoavam minha mente e mesmo sabendo que uma vez públicas estariam se soltando da segurança da árvore elas já não queriam simplesmente balançar ao vento. Queriam voar, dançar num balé clássico de um redemoinho, banhar-se e se deixar levar por um rio. Se o tempo era pouco, que seu uso fosse intenso.

Cheguei em casa e virei a chave, fechando a porta para o vento e os pensamentos. Quem sabe um bom resto de noite(?) de sono pudesse ser reparador de um coração e a dor no braço deixaria de existir ou existiria como lembrança ou lição.