Beatlemania do meu quarto

Tenho um quadro que, há muito, habita meu quarto. Retangular e imponente, bem ali, em cima da minha televisão, estampa os Beatles em sua fase mais madura. Cabelos longos, olhares perdidos, semblante sério e a certeza de que, logo logo, aquele sonho chegaria ao fim. É tudo que restou dos tempos de beatlemania: uma fotografia, e, por fotografia, leia-se músicas, fotos, vídeos. Em algumas fotografias cabe o mundo. Todas as manhãs, quando acordo, e todas as noites, logo antes de deitar, encaro esse quadro com todas as minhas energias. Já nem me lembro quando foi que o comprei, onde mandei enquadrar e nem porque escolhi colocá-lo em cima da televisão. Sei que o tenho e que o vejo.

Hoje cedo, perguntei-me se esse quadro ainda me representava. Se aquela menina ingênua que acabava de descobrir o rock, a vida e a poesia, ainda me continha. Aquele quadro já é parte de mim, assim como alguns amigos, traumas, medos e sonhos. Medos que, de tanto acordar e ir dormir olhando pra eles, já são parte de mim. Amigos que, na correria da semana, encontro aos sábados, sem ao menos me perguntar se aquilo é mesmo amizade. Assim como aquele quadro, são um hábito.

Quantas coisas fazemos parte de nós? Quantas vezes, sem muito refletir, apegamo-nos a certas convicções e, acomodados, seguimos em frente? Ah! Como eu queria reformar meu quarto... Mudaria prateleiras, móveis, a TV, o lugar da cabeceira e o cantinho onde guardo meu violão. Mudaria tudo! Mas não mudaria o quadro, aliás, mudaria-o de lugar. Ele continuaria aqui, em volta de mim, e me lembraria todos os dias daquela menina ingênua que se achava roqueira, que mal sabia, a MPB ainda viria. Compraria um quadro escrito " EXAGERADO", talvez um pôster da Rita Lee, ou alguma nostálgica lembrança dos Jonas Brothers. Ao lado disso tudo, estariam os Beatles, seus olhares perdidos e a certeza de que o sonho chegaria ao fim. Acho que preciso de novos sonhos e de algumas reformas no meu coração.