O GRANDE MENTIROSO QUE NÃO SOU

Eu sempre com minhas cadernetas debaixo do braço, numa correria dos diabos, dando aulas e mais aulas para garantir o pão de cada dia. E lá me vinha o Nestor, sempre com a mesma conversa, enchendo a minha paciência:

-Isso não dá futuro pra ninguém, rapaz! Arranje outra ocupação, senão você vai morrer pobre.

O cara era um chato de galocha. Metido a rico e sabichão, tudo nele era só mania de grandeza. Vivia cheio de si, era o mais esperto de todos, e de tudo ele entendia. Não bastasse ser dono de todas essas qualidades, o sujeito ainda era um grande mentiroso.

Se não gostava do Nestor, muito menos gostava daquela vidinha. Estava farto de trabalhar feito burro de carga a troco de um mísero salário.

Até que um dia pedi exoneração do cargo de professor. O diretor, muito surpreso, mandou-me chamar na sala dele. Queria saber dos motivos que me levaram a tomar aquela decisão tão radical e precipitada.

- A vida está difícil, você sabe disso.

- Prefiro pagar pra ver - respondi, de forma insurgente.

Foi preciso, porém, muita coragem. Arranjar outro emprego não foi fácil, mas eu consegui. Agora, depois de ter passado em um concurso, eu era funcionário público federal.

Passei a ganhar um bom salário e logo comprei um carro. Depois, deixei de morar de aluguel - e comprei uma casa. A minha vida tinha mudado completamente.

E foi trabalhando muito que perdi o medo de morrer na miséria, vítima da profecia do Nestor. Só que, até hoje, nada posso dizer sobre o meu destino. A minha condição ainda é incerta e sobre ela quem sabe tudo é somente Deus.

Quanto a mim, nem sequer me atrevo a dar qualquer palpite sobre o meu futuro, nem mesmo sei dizer se vou morrer rico ou pobre. Contudo, se nada sei sobre meu destino, de outra coisa posso dar total garantia: porque tudo ainda pode acontecer, enquanto eu estiver vivo. Antes da minha morte posso tirar a sorte grande, ficar rico da noite para o dia, mesmo que seja por obra do acaso ou do destino.

Mas se eu tiver que morrer pobre, que assim seja. Melhor morrer pobre do que viver contando lorotas, como o Nestor. Pois, quem me conhece sabe, sabe que não gosto de mentiras, que não sou homem de inventar histórias.

JOTA SANTIAGO
Enviado por JOTA SANTIAGO em 01/05/2017
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