Quase 30 (1ª pessoa)

Olá. Estou com quase 30 anos. Nasci mulher, branca de classe média inferior na periferia de Maracanaú, cidade a 20 km de Fortaleza, capital do Ceará, Nordeste do Brasil. Mais especificamente num complexo chamado Acaracuzinho. Sim: cuzinho. O word até sublinhou em vermelho. O complexo era composto por dois bairros: Acaracuzinho e Novo Oriente, mas o ônibus é um só e se chama Acaracuzinho. Agora povoaram com outros bairros nas redondezas, mas na minha infância eram esses dois. Primeiro foi batizado de Acarauzinho, rio de mesmo nome nas proximidades do bairro. No entanto, no portão de entrada para o bairro existe uma fábrica de sabão, cujo processo de produção espalha um cheiro não muito agradável. Cheiro de cu.

Minha família foi uma das primeiras a povoar o Acaracuzinho. Por volta de 1982, chegaram à Rua 112-B algumas famílias, vizinhos que são amigos até hoje, os filhos cresceram juntos. Na época do meu nascimento em 1987, o local ainda era bucólico e tranquilo. Na minha casa nem havia muros. Seria um absurdo de insegurança nos dias de hoje. Meus pais tinham uma radiola toca-discos antiga com 4 vinis. Um que tinha alguma coletânea de novelas com clássicos pops dos anos 80. Um do RPM, que possuía a música “Olhar 43”.

Vieram da zona rural. Gostava-se de animais de estimação. Em toda a minha infância houve sempre cachorro, gato, pássaro, macaco etc. Era sempre um chororô quando morria algum. Afinal, quando se é criança não se entende que suas expectativas de vidas são tão inferiores à nossa. Havia árvores também. Pé de jambo, principal mecanismo de travessura. A gente subia lá pra jogar pedrinhas em quem passava na rua. Nunca fomos descobertos. Todo dia tinha suco de caju. O caju parecia uma maçã, vermelhinho e docinho. Depois que cortou o pé de caju para reforma da casa nunca mais vi um caju igual aquele. Durante o percorrer da minha infância tive contato com personagens lendários do bairro e da rua. Mais tarde intitulada “Rua dos Obreiros”. Havia uma igreja Universal na esquina da rua que era referência para os moradores. Chamavam de “obreiros” porque a galera era unida. Os jovens da 112-B sempre andavam juntos para todos os lados. Agradeço profundamente a todos pelo deleite de suas presenças na minha história. Hoje com as responsabilidades da vida adulta, os obreiros seguiram trajetórias diversas. Construíram suas famílias, alguns tiveram que mudar por motivos profissionais, que foi o meu caso.

Seguindo a trajetória de membro de uma civilização comum, segui, estudei no Milton de Vasconcelos dias, colégio público do estado. Gostava muito de matemática e física. Depois, com o apadrinhamento e ajuda de um grande amigo, consegui uma bolsa em um dos grandes colégios de Fortaleza. Após algumas tentativas sem sucesso, consegui passar no vestibular para Engenharia Mecânica na Federal, formei e hoje exerço a função em uma estatal.

Há 6 anos tive que sair do Ceará. Tive que me despedir do Acaracuzinho, da Rua dos Obreiros, do Vozão (time do coração), da minha família, dos meus amigos próximos, dos animais e de uma vida de recordações. Sou eternamente grata aos que fizeram parte da minha construção como ser humano. Meus pais, que batalharam e batalham até hoje. Aos meus irmãos. Ao meu ex-marido que me apresentou o mundo e outras especialidades. Além de ter me amado e me aguentado por muito tempo.

Já morei em tudo o que é lugar, Salvador-BA, Macaé-RJ etc... Hoje estou no Rio de Janeiro. Encontrei pessoas boas aqui. Meu namorado que amo muito e que tem sido um excelente companheiro, além de alguns amigos próximos. Não tenho muitos. Prefiro música, paisagens, ler, olhar a janela. Aqui sigo a leveza do caminho da deriva com o eterno ruído do mar batendo.

Ubirani
Enviado por Ubirani em 28/04/2017
Reeditado em 20/09/2017
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