Padre Vieira, o amor
                    e as sogras


     1. No Domingo da Ressurreição, troquei os escritores profanos pelo padre Antônio Vieira, o maior orador sacro luso-brasileiro, desde o século 17.
     O jesuíta Antônio Vieira, o do milagroso estalo, nasceu em Lisboa no dia 6 de fevereiro de 1608, viveu no Brasil grande parte de sua vida, e morreu no dia 18 de julho de 1697, em Salvador, capital da Bahia.
     
2. Do escritor mineiro Ivan Lins (1904-1975), membro da Academia Brasileira de Letras, tenho um pequeno livro no qual ele reuniu trechos dos Sermões e Cartas do genial padre pregador Antônio Vieira. Esse pequeno livro ajudou-me a escrever esta crônica, que dei um título no mínimo curioso: Vieira, o amor e as sogras.
     
3. Sem mais delongas, como diz um amigo meu frequentador dos púlpitos, vejamos o que escreveu Vieira sobre o amor. Porque um padre conservador, Vieira surpreendeu, admitindo "haver mais de um amor". Para ele, existe o primeiro e o segundo amor; mostrando sua preferência pelo segundo amor.
     
4. Com o fulgor de sua inteligência e o vigor de sua palavra, Vieira dá as razões pelas quais prefere o segundo amor. Transcrevo-as, dando à minha crônica a substância de que ela necessita para sobreviver. Ei-las.
     
5. "Questão é curiosa nesta filosofia, qual seja mais precioso e de maiores quilates: se o primeiro amor, o segundo? Ao primeiro ninguém pode negar que é o primogênito do coração, o morgado dos afetos, a flor do desejo, e as primícias da vontade.
     Contudo eu reconheço grandes vantagens no amor segundo. O primeiro é bisonho, o segundo é experimentado; o primeiro é aprendiz, o segundo é mestre; o primeiro pode ser ímpeto, o segundo não pode ser senão amor.
     Enfim, o segundo amor, porque é segundo, é confirmação e ratificação do primeiro, e por isso não simples amor, senão duplicado, e amor sobre amor..."
     
6. Meu caro leitor, leitora querida, deixo com vocês o direito de concordar ou não com o ilustre pregador. Eu fiz minha opção. Mas, jamais a divulgarei. Vai comigo para o crematório...
     
7. As sogras. É muito conhecida a história bíblica, segundo a qual o apóstolo Pedro, por razões nunca esclarecidas, não socorreu sua sogra, padecendo de grave doença e dolorosa enfermidade. E ela morava na mesma casa do apóstolo. Não se sabe, porém, o seu nome e muito menos o de sua filha, casada com o Pescador. Por quê?
     
8. Não fosse o Rabino, a sogra de Pedro teria morrido. São Lucas (4, 38-41) narra o milagre da cura. "Levantando-se da Sinagoga, Ele entrou na casa de Simão. A sogra de Simão estava acometida de febre alta, e eles rogaram-lhe que fizesse algo por ela. Jesus se inclinou sobre ela, repreendeu a febre, e esta a deixou; e levantando-se imediatamente, ela se pôs a servi-los". 
     
9. O padre Vieira falou sobre esse estranho comportamento de São Pedro. Explica: "Uma sogra talvez é melhor estar doente, que sã: porque doente  a mesma doença a tem quieta a um canto da casa, e sã, rara é a que se não contente com menos que com todos os quatro cantos dela..."
     
10. Não vou entrar nessa de condenar ou elogiar as sogras. Mas, parece que essa de vê-las com reserva e até delas se acautelar, vem, desde os tempos do apóstolo Pedro, como sugere o padre Antônio Vieira.
     
11. Diria apenas, que, no mundo de hoje, as sogras deixaram de ser vistas como autênticas  megeras. Agora, não são poucos os genros e as noras que as chamam de "anjos de guarda".
     A sua sogra, meu caro leitor, minha doce leitora, é o cão ou um anjo de bondade? Não minta.

 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 17/04/2017
Reeditado em 05/11/2019
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