Dignidade - uma lição inesquecível!

Aquele menino cheio de vida, e de sonhos, então com seus dez ou onze anos, chegava do colégio. Cidadezinha do interior, ruas de paralelepípedo, casinhas simples e aconchegantes, como a que abrigava naquela ocasião sua família (pai, mãe e seu único irmão, quatro anos mais novo).

Hora de almoço, ele com a fome própria da idade, de quem tem sede de viver e aprender, uma vida inteira pela frente, chegava em casa. Era uma casa simples, como simples, porém densa, fora sua infância inesquecível, única. Terreno comprido, para os fundos, casa na lateral esquerda de quem chega, gramado do lado oposto, em direção ao fundo, indo dar numa pequena edícula, que abrigava um pequeno depósito e uma singular cozinha equipada com um velho e bom fogão a lenha.

Ao passar pelo portão, viu um homem cortando a grama. Não havia cortador elétrico, como hoje, mas sim um tesourão, desses (ou daqueles) feitos especialmente pra tarefa. Sem deter o passo, contemplou a cena, pensamento no almoço feito com o carinho de sempre pela mãe querida, no aconchego do lar dos sonhos realizados de sua infância. Disse pra si mesmo: "meu pai deve ter 'pirado' (muito provavelmente não teria sido esse o termo da época, mas vá lá...). A grama foi cortada na semana passada e agora, de novo!"

Depois de almoçar foi ter com seu pai, que acabara de chegar do Fórum (como se dizia naquela época), onde exercia sua função de Juiz de Direito:

- Papai, o senhor (sim, naquele tempo o "você" não tinha vez, e olha que o "senhor" não criava nenhuma espécie de distanciamento; tão somente se traduzia no respeito que se deve ter pelos mais velhos, ainda mais em se tratando do pai - ao contrário do que alguns "entendidos no assunto" apregoam hoje, à luz, em parte difusa, por vezes até confusa, do tal "Estatuto da criança e do..." - bem, deixa pra lá...). Voltando ao ponto: "o senhor se esqueceu de que a grama foi cortada na semana passada?"

- Não, meu filho, não me esqueci, não - respondeu de pronto seu pai, com toda a paciência que lhe era peculiar.

E prosseguiu, calmamente:

- Filho, você reparou naquele homem? O que achou dele?

- Bem, me parece que é um homem forte, um trabalhador.

- Reparou bem, então. Sabe, ele chegou pela manhã, depois que você saiu pro colégio (naquela época, ía-se a pé, e como era bom!...), pedindo ajuda, esmola mesmo, por estar desempregado e ter família pra cuidar. Eu não tive nenhuma dúvida; ao invés de simplesmente dar-lhe uma esmola, ofereci trabalho. Ele aceitou, embora tenha comentado que na sua opinião a grama estava aparada. Mas eu disse que gostava dela mais baixa e dei-lhe os apetrechos para o serviço. (além da tesoura, tinha em sua casa uma espécie de rastelo, o ancinho - acho que era esse o nome da ferramenta).

E finalizou, com aquele olhar de sabedoria, traço marcante de sua personalidade:

- Agindo de outra forma, meu filho, eu estaria ferindo a dignidade daquele homem saudável, trabalhador, você não acha?!... (o menino cheio de vida e de sonhos não disse mais nada, simplesmente teve de concordar, em silêncio, voltando os olhos pro gramado que se via do outro lado da janela lateral da sala-de-estar de sua casa acolhedora...).

O homem terminou o trabalho e, depois de almoçar e receber o pagamento pelo serviço, foi-se embora, de cabeça erguida e dignidade preservada, a passos largos e apressados, subindo a rua de paralelepípedo escaldante, naquele dia de muito sol e céu azul...

...

Que lição de vida! Como não se tem em nenhuma escola por aí. Um fragmento com a dimensão do todo!...

Até hoje - e já se vão tantos anos -, quando me recordo dessa passagem de minha existência, me emociono, e sinto muita saudade de meu pai (que já se foi há muito tempo, mas permanece vivo em minha memória). Meu pai, o melhor professor que tive na vida!...