Queridos alunos: preciso me desculpar por ser humano

Queridos alunos:

preciso me desculpar por ser um ser humano

Ainda não terminei o primeiro bimestre na escola, mas tenho sentido um incômodo muito grande de como tenho sido enquanto professora. Estou nessa profissão há 3 anos apenas, mas o esgotamento em que me encontro parece que equivale a uma vida inteira e preciso me retratar sobre isso.

Eu tenho 32 aulas por semana para ministrar, sem contar com o planejamento, reuniões e correções feitas em casa, em horários que não permitem uma vida lá muito organizada e não tô conseguindo colocar minha vida em dia. Tem dias que meu turno termina as 23h e o do dia seguinte começa as 7h e mal tenho tempo pra comer ou descansar adequadamente. Quando chega a sexta feira eu sou uma pessoa mais do que cansada: eu tô realmente quebrada. Me desculpem pelas olheiras, bocejos e perdas momentâneas de raciocínio.

Gostaria de trazer coisas mais legais pra sala do que um livro didático (rasgados, riscados, violados), mas trabalho para um governo que não se importa com nada a mais do que formar mão de obra qualificada e não cabeças pensantes. Sabe aquele filme estranho que passei na aula? Queria falar mais sobre ele, mas só tenho 2 aulas na semana pra tratar sobre o quanto a sua vida tá submetida a elite, mas isso não importa pra eles. Vamos ter que ficar só com os livros mesmo e ver o que mais podemos criar com eles.

Eu queria ter mais paciência pra corrigir seus cadernos e conversar mais sobre seus problemas pessoais e dificuldades, mas é impossível fazer isso tendo uma média de 700 alunos para dar a mesma atenção e eu não dou conta. Me perdoem por isso, eu não tenho formação adequada pra atender tantas pessoas sendo uma só. As vezes tenho que ser psicóloga, amiga, professora, assistente social e infelizmente não sou tudo, me perdoem.

Infelizmente só consegui fazer minha graduação em Ciências Sociais e dadas as minhas condições sociais e econômicas não fui além disso, então por favor me perdoem por não conseguir responder tudo aquilo que precisam saber, não tenho formação continuada e o estado não oferece nenhum tipo de capacitação que favoreça a minha melhora enquanto profissional.

Lembra daquele dia que você me viu bebendo, fumando, beijando alguém, usando uma roupa curta? Então, naquele dia eu era também um ser humano tentando ser um pouco mais normal e eu também merecia o mesmo respeito que você deveria ter por mim quando tô na lousa falando sobre relações de poder e violência. Me desculpem por ter escolhido uma profissão na qual a gente não pode sr gente: tem que ser figura "respeitável", vulgo conservadora.

Acima de qualquer coisa, me desculpem por ser essa pessoa cansada que tenho sido, impaciente e taciturna, mas infelizmente também sou um ser humano massacrado por condições cada vez mais degradantes que tenho enfrentado, por perigos cada vez mais iminentes na profissão e na vida, por situações cada vez mais humilhantes.

Por favor me perdoem,

eu não sabia que ser professor era deixar de ser humano e nos últimos anos o resto da minha humanidade morreu na escola pública.

Ruana Castro
Enviado por Ruana Castro em 08/04/2017
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