O círculo

O círculo

É que tudo acaba onde começou, diz a canção que fala de dois amigos que olhavam a vida de diferentes ângulos, o que os leva por rumos diferentes. Evoca-me tal raciocínio a figura de um círculo, insiste na cabeça, adejando nervosa, a imagem traçada na folha em branco da vida pelo inexorável compasso do tempo. Persegue-me a visão no giro constante e regular do planeta, na borda do copo, no trajeto do autódromo, enfim, na circunferência de todas as coisas que me circundam. A própria rotina apresenta-se circunflexa neste opressivo espaço circumurado dos nossos dias urbanos.

Dia desses por intervenção de pequeno evento profissional ou por um ardil do acaso, encontrei um amigo com quem não falava havia quarenta anos. Insignificantes são as circunstâncias que nos mantiveram à distância por tantos anos. O que nos reuniu na infância foi a sala de aulas, terminado o curso primário cada um seguiu sua vida. O trabalho, novos estudos, outros amigos, sonhos distintos, projetos e aventuras diversos foram abrindo espaços abissais entre nossas existências embora a geografia nos mantivesse tão próximos. Passado alguns dias daquele nosso reencontro ele me apareceu com uma fotografia em preto e branco de nossa primeira comunhão. Emocionei-me ao ver de novo aquele grupo de meninos de dez anos, de uniforme escolar. O retrato registrou o momento exato em que ele recebia a hóstia das mãos de Frei Ambrósio, eu era aquele menino louro e franzino, o terceiro na fila após ele. E aquela moça de pé ao lado do saudoso sacerdote era a nossa jovem professora do terceiro ano, a que chamávamos respeitosamente de Dona Conceição do Dimas, vestia ela uma blusa escura de estampas forais claras e uma calça pantalona, moda em 1975. No impulso fiz uma foto da outra foto e enviei à minha irmã mais velha pelo WhatsApp, ela fez um kkkk e comentou: “vc melhorou 100 %”. Carinho de irmã amorosa, certamente, imagino.

O fato é que a velha fotografia estava marcada para ser o elo que daria nexo a mais um círculo. É que tudo acaba onde começou, diz a canção. Cá estamos meu velho camarada e eu, a compartilhar as experiências vividas por cada um, em quatro décadas de afastamento que nos pareceriam um quase nada de tempo, não fossem as memórias levantadas nos nossos serões que se tornaram frequentes. Uma amizade profícua, uma vez que cada qual tem muito a compartilhar.

Gostos e paixões desencontradas. Conflitos de cultura ou de personalidades e outros inumeráveis motivos podem afastar as pessoas, até porque, ainda segundo aquela canção, “cada um de nós é um universo”, contudo existirá sempre um elo de conexão capaz de reestabelecer o ajustamento da linha circular desse fenômeno espetacular a que chamamos vida,

Carlinhos Colé
Enviado por Carlinhos Colé em 27/03/2017
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