Trabalhar, contribuir, aposentar. Como?

Muito se tem visto e ouvido nos últimos meses a respeito da reforma previdenciária que o governo brasileiro, a duras penas, tenta implantar. Pudemos ver milhares de pessoas indo às ruas protestar contra o projeto. Todos os dias o assunto circula nos telejornais, bem como nas redes sociais e sei lá que outros meios de comunicação.

Fato é, que como tem-se tornado costume no Brasil pós-golpe de 2016 e até mesmo no período da própria construção daquele malfadado processo de impeachment, que destruiu o que podia ter restado de crédito à democracia tupiniquim, as massas tem-se dado às manifestações e protestos de forma imatura e irresponsável. E chamo aqui o etnômino tupiniquim justamente para nos forçar a pensar no quão pouco se sabe a respeito do que se fala, já que esse adjetivo étnico, embora seja comumente utilizado para designar algo como sendo originário do Brasil, na verdade é o gentílico de um dos grupos indígenas brasileiros menos conhecidos por nós mesmos.

E é desse autodesconhecimento que quero falar. Dessa falta do hábito de buscar conhecer aquilo sobre o que fala. Disso que nos qualifica como verdadeiras crianças no agir e proceder, parlapatões que somos.

Ainda ligando o que vou dizer às nossas origens indígenas, é comum se ouvir que “índio é preguiçoso”, que “índio quer ganhar as coisas sem trabalhar”. Pois bem, se assim for, eis que nós brasileiros como povo herdamos sem falta essa característica que todos execramos, pelo menos em palavras. Acontece que agora mesmo estamos todos, ainda que divididos em classes e cada uma delas a usar dos argumentos que acha, esperneando desesperadamente diante da possibilidade de alteração nos termos da legislação previdenciária, que pode nos fazer trabalhar mais tempo.

Os policiais, os professores, os vigilantes, profissionais da saúde, juízes e promotores de justiça, cada um a seu tempo, por seus meios e conforme suas forças, como um que se afoga, debate-se em busca da heteronomia, em outras circunstâncias rejeitada e sempre combatida.

Pior de tudo é que muitos se aventuram a emitir opinião, ou repetir a opinião de terceiros, sem sequer ter lido a proposta do governo. Sim, afirmo isso com segurança, pois já pesquisei entre conhecidos meus, ocupantes de distintos níveis sociais e culturais. Pouquíssimos são os que leram o projeto, embora muitos o taxam de ruim, péssimo, vergonhoso, imoral, “et cetera”.

Outro dia, conversando com um colega de trabalho, esse disse que temia ter que trabalhar até os oitenta anos. Levando-se em conta que o dito colega é detentor de diploma de curso superior, ocupante de cargo público para o qual se exige formação superior e ainda, que trabalha exatamente em um ambiente onde as leis precisam inescusavelmente ser conhecidas, sobreveio-me um certo desânimo ao imaginar o que se esperar do restante da população, uma vez que esta é sabidamente carente de formação e informação.

Não bastasse a evidente desinformação e a não menos perceptível nefasta influência causada pela desenfreada balbúrdia que o uso irrestrito da liberdade de expressão tem nos acarretado, temos nos mostrado um povo realmente preguiçoso. Nossos jovens começam cada vez mais tarde a exercitar sua produtividade e fogem da ideia de constituir previdência privada, mas não ocultam a intenção de encerrar tal exercício com a maior brevidade possível, sem se preocupar com o óbvio: quem vai sustentar seu sonhado ócio prematuro e não programado?

Ora, qualquer um que tenha um pouco de bom senso vai entender sem muito esforço que de onde mais se tira que se põe, em pouco tempo não se terá mais o que tirar. Assim é com o sistema previdenciário. Não temos o hábito de economizar e queremos encontrar na aposentadoria um fruto que não plantamos. E culpar os desvios e os governos pela conta não fechar é um reducionismo não menos infantil. Os desvios sempre ocorreram e dificilmente deixarão de ocorrer. Esses devem ser computados como os prejuízos inerentes e previsíveis que o são. O que precisamos sim, é de abandonarmos essa postura egoísta e pensarmos no futuro de forma madura e equilibrada.

Olhemos para o resto do mundo. A Europa há pouco passou por situação similar, com protestos de trabalhadores pelo velho continente afora, o que não impediu que a idade média tenha subido além dos 65 anos para os homens. Nos EUA essa idade mínima está na casa dos 66 anos e a tendência mundial, diante do crescente aumento da longevidade é de aumento também do tempo de trabalho e de contribuição. É matemática pura e simples.

Vizinhos nossos como o Chile, a Argentina e a Colômbia fizeram adequações recentemente. No Canadá não se aposenta sem 35 anos de contribuição e no Japão, 40 anos. Por que motivo o Brasil deveria ou poderia ir em sentido contrário e não buscar atualizar o modelo previdenciário?

Quanto ao nosso sistema de captação, administração e devolução dos recursos previdenciários, outros países o praticam. Se é ou não o mais adequado à nossa realidade, estudemos e o adequemos. Mas uma coisa é certa e urgente: Que quem queira se atrever a falar sobre o assunto pelo menos saiba sobre o que está falando. Primeiro leia e procure entender o texto da proposta governamental, depois julgue por si mesmo se é ou não bom para o povo como um todo, não apenas para um ou outro indivíduo, setor, ou grupo de profissionais.

É bonito ver as pessoas se organizando e saindo às ruas aos milhares na luta por direitos, mas é preocupante ver que a grande maioria não enxerga além do que esses direitos podem trazer de benefícios imediatos e individuais, ou não percebe as inevitáveis consequências de suas intervenções, ainda que legítimas.