SABIO ENQUANTO CALADO

 
                    Porque sempre foi muito calado era tido como uma pessoa séria. Muitos até o julgavam um sujeito sábio. No fundo ele se divertia com aquele esterótipo que habitava a mente dos amigos e conhecidos. Sabia perfeitamente que se calava mesmo era por comodismo, não porque ficasse ruminando idéias e pensamentos na sua cachola, à procura de entendimentos definitivos e basilares sobre as coisas. Notava também que os muito falantes, os extrovertidos, no fundo são pessoas um pouco vaidosas e exibicionistas, o que não combinava com seu comportamento tímido.
             
                    Notava que a maioria das pessoas adora emitir opiniões sobre tudo. É difícil um assunto que não lhes provoque o irrefreável desejo de opinar. E quanto mais superficial o juízo emitido, mais absoluto, mais enraizado em certezas imutáveis. Em eventuais discordâncias, via sempre brotar o espetáculo grotesco do falso embate de idéias entre os ferrenhos defensores de seus pequenos dogmas, mesmo nas mais comezinhas discussões acerca de genuínas inutilidades. Caso o assunto enverede pelo pantanoso terreno da política e da religião, o consenso é tão viável como uma caminhada na lua. Não tinha a menor paciência para entrar nessas disputas inúteis. Preferia a atitude confortável de calar e ouvir, mesmo que às vezes isso pudesse ser interpretado como concordância. O que isso lhe importava?
 
              Tinha certeza de uma coisa. As pessoas ficavam felizes quando encontravam concordância. É como se uma idéia fraca se fortalecesse não por estar ancorada em sólidos fundamentos lógicos, mas por encontrar o maior número de aliados.
 
           Como os que falam muito adoram interlocutores, mas não estão interessados em diálogo, seu modo calado de participar dessas conversas angariava sempre mais falantes, ávidos em discorrer e espalhar suas certezas. Um bom ouvinte é uma preciosidade num mundo em que poucos têm paciência para escutar.
 
                Habitou-se tanto a ouvir passivamente os infatigáveis faladores que foi perdendo o hábito de falar. E um dia, para surpresa de todos, deixou de articular qualquer som, ficou definitivamente mudo. Em seu íntimo, porém, sabia que sua voz não fazia a menor falta no vozerio inócuo do mundo.
Domingos Sávio ferreira
Enviado por Domingos Sávio ferreira em 25/03/2017
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