HISTÓRIAS QUE MAMÃE CONTOU

Há alguns anos, pedi que minha mãe escrevesse um pouco sobre a saga de seu ramo familiar italiano, que quase ninguém mais conhece. Resumo, então, o que ela registrou: “Meu avô, João Baptista Ghisoni, nasceu em Bergamo, em 1866. Era de família pobre e numerosa: sete irmãos e uma única irmã, baixinha, chamada Giovanna. Sua mãe enviuvou cedo, quando João Baptista ainda mamava no peito. Ela trabalhava em atividades de armazém. Pelas circunstâncias, voltou a casar-se com tal senhor Bougiorno, que se revelou má pessoa e que lhe batia seguidamente. Os filhos, revoltados, foram deixando a casa.

À procura de trabalho e de algum futuro, partiram, especialmente, para os Estados Unidos e Argentina. Aquele que estivesse mais bem estabelecido chamava os outros. Um dos filhos, Francisco, tornou-se padre. João Baptista e a irmã foram os últimos a sair de casa. Alguns acabaram no Brasil, em Araranguá-Sc, como Firmino.

Aos 15 anos, João Baptista foi aprender os ofícios de alfaiate e barbeiro em Milão. Ia a pé até Milão e atravessava uma ponte de ferro por onde passava o trem expresso. Quando se encontravam, descia pelas ferragens e cobria a cabeça com o casaco, pois o trem despejava água fervente nos trilhos.

Quando tinha 17 anos, sua mãe faleceu. Pouco depois, sua irmã casou-se. Então, resolveu partir para o Brasil. Como não fizera serviço militar, veio clandestino. Desembarcou em Araranguá atrás de um dos irmãos, que já tinha se mudado para a Argentina, atendendo chamado de outro irmão. Veio a pé para o Rio Grande do Sul, talvez em busca da Argentina.

Por necessidade financeira, estabeleceu-se em Porto Alegre, trabalhando como alfaiate. Tornou-se bem conceituado nesse mister; trabalhou na Alfaiataria Meneghetti, depois, na Coussirat, na Alfaiataria Soares, na Germano Petersen e como 2º contramestre cortador no 3º Arsenal de Guerra. Em Porto Alegre, conheceu vovó Serena: Palmira Augusta Serena Rodda Ghisoni, que nasceu também na Lombardia, Pavia, Itália, na Comune di Stradella”.

“A mãe de vovó Serena morreu cedo, quando ela tinha apenas quatro anos. Restou-lhe a irmã Luisa e o pai, que se chamava Donino Rodda. Donino e seus irmãos eram sócios de uma olaria. Como ele se entregara ao vício da bebida, os irmãos convenceram-no a casar-se novamente. Donino casou-se, então, com Virginia, mas continuava a beber. Seus irmãos compraram sua parte na olaria e estimularam sua emigração para o Brasil. Com Virginia, Donino já tinha um filho chamado Gigino. Vovó Serena, então com sete anos, emigrou junto para o Brasil, tendo sua irmã Luisa permanecido na Itália, pois estava sendo criada por uma tia. Sabe-se que Luisa casou-se e teve vários filhos na Itália. Quando eclodiu a 1º Grande Guerra, Gigino foi convocado pelo Exército italiano. Regressando à Itália, visitou Luisa, que tinha uma das filhas que exercia o ofício de barbeira.

Donino e família, no início, foram para Caxias do Sul, mas, não sendo Donino agricultor, deu-se mal por lá e regressou a Porto Alegre. Ainda em Caxias, vovó Serena trabalhou como doméstica; já tinha nove anos de idade. Contava que foi um período ótimo de sua vida: a patroa ensinava-lhe tricô, crochê e a cozinhar. Em Porto Alegre, Donino, conhecido como Nono, empregou-se em uma fábrica de gelo, na Rua dos Andradas; a família passou a residir na própria fábrica. Virginia fazia o serviço doméstico para o patrão, Valeri, que, separado da mulher que o traíra, dizia-se viúvo. Nono e Virginia tiveram três filhos: Ermínia, Ema e Guerino.

Vovó Serena, mais tarde, foi trabalhar numa fábrica de chapéus, Chieradia, sita na Rua dos Andradas, quando conheceu vovô João Baptista, que trabalhava na Alfaiataria Coussirat. Casaram-se em 1886. Dessa união, nasceu minha mãe, Aldina Rodda Ghisoni, que, depois, tornou-se “de Matos”, irmã de Higino, Hugo e João. Hugo e João foram grandes jogadores de futebol, do clube Americano e da seleção gaúcha, sendo que Joãozinho atuou também no Vasco da Gama, do Rio de Janeiro.”