O COMPRADOR DE BALEIA

Nesta segunda-feira pela manhã, ao folhear um velho álbum de família, deparei-me com uma fotografia bem antiga de papai, provavelmente da época do episódio da baleia. Conto: tinha 8 ou 9 anos quando descobri na aula de ciências que a baleia não era um peixe e, claro, fui desfilar meus conhecimentos sobre o cetáceo para o meu velho. Lembro que ele largou sobre um recipiente de plástico uma enorme colher de pau com que mexia torresmos, retirou o tacho da fornalha e sentou próximo ao forno.

- Diga!

- Pai, eu descobri hoje na aula de ciências que baleia não é peixe – disse-lhe totalmente eufórico.

- Rapaz, que notícia boa! Pois não é que eu sempre pensei que baleia fosse peixe?... Isso é novidade pra mim.

- Não, pai, não seja tolo, baleia é um mamífero. A baleia dá à luz um filhote e ele mama desde que nasce.

- Ora, meu filho, eu nunca estudei, não tinha como saber, não é?

Permaneci calado e longe de sentir pena dele, percebi que papai estava gracejando. Ele voltou à carga:

- E quantos quilos pesa uma baleia?

- Muitos, pai. A professora Helena disse que a baleia pesa vinte toneladas.

- E quando quilos isso dá?

- Sei lá! – Respondi.

Minha irmã entrava naquela ocasião, tirou um sarro básico:

- Sai dessa embrulhada, sabichão!

Meu pai virou-se para ela:

- Responda você, quantos quilos dão vinte toneladas?

- Vinte mil quilos. – Respondeu e saiu apressada, levando uma xícara de café em direção à sala de jantar.

Meu pai comentou:

- Que grandona! Que parruda! Um dia vou comprar uma baleia dessas pra você tirar leite e vender na rua. – E deu uma risada cujo som permanece intacto em minha memória até hoje.

Na parte da tarde, quando entrei na lotérica ao lado do Café Mania, ainda pensava em papai e naquele inocente diálogo quase desbotado. Fiz três jogos da mega sena e um da quina e, tendo encontrado alguns amigos, passamos a uma prosa animada. A conversa girava em torno da bolada que a mega sena pagaria na próxima extração da quarta-feira, de modo que um sujeito apenas conhecido de vista, mas que não me lembro de nome, perguntou o que cada um dos que participavam da conversa faria se ganhasse tão avultada soma.

- Eu montaria um hotel fazenda lá no Salvaterra e compraria um apartamento em Belém. – Respondeu um.

- Passaria dois anos viajando pelas cidades da Europa. Cara, eu me vejo em Milão, Londres, Paris, Praga, Munique... nos cassinos de Monte Carlo, nas praias de nudismo em Ibiza, nos puteiros de Madri, fumando um baseado em Amsterdã – disse com ar sonhador - No retorno, dividiria o resto com minha família. – Afirmou outro.

- Caso venha a sobrar, né? – Eu brinquei.

- Ajudava minha família primeiro. Depois, largaria este emprego de merda, compraria uma terra na margem do Xingu, ia escrever meu livro e pescar. – Disse o terceiro.

O quarto, um homem magérrimo com nariz de raposa, tomou a palavra e disse:

- Eu ia embora daqui com muito prazer e levava todos os de minha família comigo para Fortaleza. Ô cidadezinha desgraçada, este Brasil Novo!

O sujeito que fizera a pergunta, entretanto, discordou de todo que opinaram quanto a ajudar os da família.

- Eu gastava tudo com puta e farra e não daria nada pra ninguém. Não tem um filho de égua da minha família que perca uma hora de seu tempo para me visitar. Se eu ficasse rico viriam me bajular, com certeza, e eu não queria vê-los, nem pintados!

Enquanto o cara desfilava sua mágoa contra a família, eu acabei chegando ao guichê. Joguei uma nota de cinquenta reais e os jogos e recebi um belo sorriso da atendente, seguido de um melodioso “oi, professor”. Respondi a saudação e fiquei esperando as volantes dos Jogos da Caixa Econômica devidamente marcadas.

Ia saindo, quando o sujeito - que formulara a pergunta sobre o destino da grana se ganhássemos - me puxou pela manga do casaco.

- Sim? – indaguei, encarando-o em desafio.

- Você não respondeu, professor. O que faria se ganhasse na mega sena nesta semana?

- Você quer mesmo saber? – Perguntei cuspindo um riso de escárnio pela boca.

- Certamente.

- Olha, eu compraria uma baleia de vinte toneladas,

Vi a surpresa surgir nos seus olhos arregalados como o sol sai vagaroso numa tarde chuvosa, mas não conseguiu replicar. As outras caras também me olhavam aterradas, mastigando meu disparate sob o peso de um silêncio constrangedor. Com certeza, ia pela cabeça de todos o seguinte: “ora, onde já se viu comprar uma baleia? Balela! Não é tão simples comprar um animal desse porte e, ainda por cima, ameaçado de extinção. Não é a mesma coisa que ir num pet shop e comprar um hamster, um periquito australiano, uma cacatua ou um cãozinho chihuahua...”

Entretanto, uma mocinha - que segurava uma velha corcunda e nervosa – rompeu o aquele hiato grave, ao cochichar (ou quase) na orelha da decana.

- Vó, esse cara só pode ser louco. Onde se viu comprar uma baleia?!

A vó balançou a cabeça em anuência ao comentário da neta.

- Com certeza, Laura. Com certeza! O que se pode esperar de um sujeito que trabalha como professor nos dias atuais senão a loucura?

Eu saí da lotérica com lágrimas nos olhos de tanto rir que quase trombei com a prefeita que entrava no recinto naquele momento.

ELMANO ARAUJO
Enviado por ELMANO ARAUJO em 14/02/2017
Reeditado em 14/02/2017
Código do texto: T5912762
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