Escritos da madrugada

Como nada costumeiro, hoje resolvi colocar o título desta crônica antes mesmo de escrevê-la. Motivo? Já sabia exatamente quais ideias colocaria, antes da era digital, no papel, hoje, na tela do meu notebook. É madrugada. Não sei se pela luz da lua que parece colocar um filtro azulado no meu quintal, não sei se pelo barulho soturno da minha geladeira, pela calmaria – e deveras calor – que essas horas neutras têm, é o período do dia que mais coisas me vêm à cabeça.

Estava assistindo a um filme sobre o amor, era um daqueles malandros filmes americanos que acabam com um final incompleto – rouba-me o final –, cheio de falas despretensiosas, mas com sentidos brilhantemente ricos. Quando acaba, o pobre ser que está sentado no sofá clama por mais dez minutos. Talvez nem tenha gostado do filme, mas o filme não poderia ter acabado daquela forma tão “sem quê nem pra quê”.

Refleti, afinal, como esse momento de final inesperado é deveras assustador, quer dizer, faz-nos ter aquele sentimento que está lá quando cometemos um erro irreparável, que está lá quando tomamos uma decisão irreversível, que está lá quando nos despedimos de amigos após uma conversa agradável. Sim, é o sentimento de “o filme acabou, aceite o final, não haverá continuação, o que está feito, está feito”.

Mais, a vida é assim, caro leitor. Quando estamos vivendo um momento feliz, sabemos que o estamos vivendo, pois desejamos que ele nunca acabe. Que ele dure por mais dez minutos, e quando estiver no nono, mais dez, e assim sucessivamente. Então, o momento acaba e a sensação é que a normalidade veio e que o momento se despediu e não admitiu continuação. Essa tal “sensação” também é o sentimento gaiato do parágrafo anterior, aparecendo em diferentes situações.

Esse sentimento causado pelo final inesperado – talvez triste, talvez real – do filme me fez lembrar que ele é uma obra de arte. Pensei no que é arte. O que é arte? Quanto mais subjetiva essa definição, mais objetiva, em cada um, será. Arte é o sentimento que eu sinto ao ler memórias passadas, e a expressividade que eu vejo ao contemplar Van Gogh. Brincar é com as palavras enquanto escrevo minha crônica. É sentir sentimentos. É sentir dentro de mim. Só eu sinto. Você, os teus. Ninguém mais sente igual, é um código de sentimentos colhidos empiricamente, nesta vida que só foi vivida por quem a viveu.

A arte seria rasa se não houvesse um significado diferente para cada um que a experimentasse. Dê um nome para a sua arte, chame-a de João, de Jorge, ou de Jorge João, se quiser um composto. É você, o seu mundo e a sua expressividade sendo impulsionados na expressividade que outrora fora de outra pessoa.

Penso numa sopa, legumes colhidos no quintal da vida, a arte seleciona os mais apropriados para aquela ocasião galante, coloca água e voilà! Você a toma, deixa cair um pedaço de sensação na calça, relaxe, depois seca.

Quem tem o dom de escrever arte, bendito seja. Quem tem o dom de fazer filmes com finais inesperados, também, bendito seja! Afinal, tudo pode ser arte! O que é arte? O que você sentir que é.

Filme, obrigado por esse devaneio da madrugada. Quando dormir e acordar, já estará claro, então procurarei no Google sobre a tua continuação, danado.

Caique Souza
Enviado por Caique Souza em 13/02/2017
Reeditado em 07/03/2017
Código do texto: T5910943
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