Memórias.

"Dedico esse texto especialmente ao meu esposo, que me concedeu o prazer de conhecer o lugar que descrevo nessas linhas."

Há alguns anos atrás, quando comecei a namorar, íamos com frequência à roça para visitar seus avós, que logo passariam a ser meus também, pelo tão grande amor que deles recebi.

Me recordo a primeira vez que fui visitá-los, penso que eu poderia ter ficado dias, semanas ou talvez meses, porque me apaixonei pelo lugar humilde e tranquilo, onde sentia o cheiro do mato e da terra, ouvia-se o cantar dos pássaros, o céu límpido no qual poderia ficar por horas observando as estrelas, as noites de chuva, onde era fácil pegar no sono ouvindo o barulho dos pingos caindo na janela, o silêncio noturno, a casinha simples de paredes brancas com janelas azuis, chão vermelho resplandecendo o brilho e o cheiro e sabores da comida feita no fogão a lenha.

Para entrarmos no sítio, se não me falha a memória, tínhamos que passar por duas porteiras, assim que a porteira era aberta, já começava uma gritaria de nossa parte e para mim o que eu considerava uma verdadeira aventura. A última porteira geralmente era aberta pelo nosso avô, que vinha abri-la sempre com um sorriso, de longe já avistávamos a imagem do senhor de cabelos um pouco grisalhos, rosto de certo tom avermelhado queimado pelo sol, calçando botinas e vestindo calças e camisas surradas, as vezes fumando seu cigarrinho feito de papel.

Quando chegávamos, lá fora já dava pra sentir o cheiro de gordura que se misturava com o de café. Adentrávamos e íamos para a varanda, sempre cheia de gente, ali sentávamos no alpendre e entre os franguinhos que pulavam sobre nossos pés, tomávamos café, comíamos frutas e nos deliciávamos com o pastel de polvilho da Madrinha Tina, a senhora de olhares atentos, sorriso tímido, poucas palavras, mas com um enorme coração, enquanto ouvíamos um causo ou outro, ou até mesmo as piadas do Padrinho Joaquim que nos rendia altas e boas gargalhadas, naquele cantinho, tinha prosa boa dos mais velhos, conversa séria de gente adulta, ouvia-se o sonhos dos mais jovens e as brincadeiras e o barulho das crianças, assim nem víamos a hora passar, e quando percebíamos já era noite e outra vez começava a comilança. Sobre o fogão a lenha, o feijão de caldo grosso e sabor indescritível, o franguinho caipira pulando na panela, com arroz branquinho e solto e ainda tinha a carne de lata, na qual eu ainda não havia experimentado antes.

Dormíamos cedo, porque na roça quando o galo canta já amanheceu o dia, mas antes, assistíamos as novelas, só pra ouvir os comentários engraçados do padrinho Joaquim que nos fazia rir noite afora.

De madrugada já ouvíamos o barulho dos passos dele levantando para cuidar da criação e das plantações e também já sentíamos o cheirinho de café vindo da cozinha.

Hoje me recordo com saudade, com a certeza de que tempo bom mesmo, foram aqueles vividos ali, onde a vida nos ensinou grandes lições de simplicidade, sabedoria, coragem e companheirismo, revelados pelas vivências de nossos avós, que ao nossos olhos pareciam seres tão incansáveis.

Assim, passávamos o fim de semana e então voltávamos para casa, onde enfrentaríamos os desafios de nosso dia a dia por vezes tão conturbado, porém, revigorados pela energia e eu diria magia, daquele humilde lugar.

E quando uns e outros questionava, como poderiam ser felizes com tão pouco, eu em silêncio respondia, pouco meu caro, pouco temos nós, tão pouco, tão pouco, tão pouco comparado o quanto ali fomos FELIZES.